Como aumentar a oferta de crédito para agricultura | Schutterstock

BELÉM (PA) – Até aqui, a COP30 tem sido marcada por algumas mensagens-chave nas discussões sobre agricultura. Uma delas é a necessidade de disseminar métricas de emissões de gases de efeito estufa adaptadas ao modelo tropical. A outra é ampliar o crédito, principalmente para os pequenos produtores.

Mas essas duas demandas estariam conectadas? Métricas melhores, amplamente adotadas e mais regionalizadas significam necessariamente uma maior disponibilização de financiamento para o agronegócio, principalmente por parte dos financiadores privados? Para o Itaú BBA e o Rabobank, sim.

“Acho que dá para estabelecer essa relação direta”, diz João Adrien, ESG Agri Head do Itaú BBA, que participou ontem, durante a COP30, de um painel sobre o tema. “A adoção de práticas regenerativas permite limitar o risco. O nosso maior desafio é calibrar as exigências de MRV (condições gerais de financiamento). Se a gente conseguir mensurar melhor, vamos entender os benefícios e desenvolver soluções para financiar cada perfil”, completa.

Segundo ele, a chave pela qual as mensurações se transformarão em crédito é permitir tornar os riscos mais tangíveis. “A adoção dessas práticas pelo produtor reduz seu risco. Sabendo que ele tem um bom perfil de solo, enraizamento e estoque hídrico, presumimos mais resiliência, e isso reflete na disponibilidade de crédito.”

“Com certeza vejo essa relação”, reitera Taciano Custódio, diretor de Sustentabilidade no Rabobank Brasil. “Infelizmente, as métricas e frameworks mais populares de emissões foram elaboradas com base na agricultura temperada. A partir da COP30, teremos a oportunidade de ampliar o financiamento com mensurações que incorporem os atributos tropicais e que estão sendo elaboradas por instituições como a Embrapa.”

Segundo ele, essas métricas tropicalizadas vão refletir com mais precisão as emissões do setor (o saldo negativo) e permitir mensurar as capturas de carbono (o saldo positivo).

“O Brasil tem começado a se posicionar nesse espaço de diálogo, mas entendo que ainda tem muito por vir. A construção de uma agenda científica qualificada e que chegue ao pequeno produtor rural depende dessas métricas”, acrescentou o executivo do Rabobank.

Ao final, os resultados serão taxas mais competitivas, diz Custódio, “vinculadas a critérios e KPIs com indicadores de performance, trabalhando para ampliar prazos e carências”.

Presente no painel, Eduardo Bastos, CEO do Instituto Equilíbrio, disse que métricas regionalizadas também são necessárias para viabilizar iniciativas públicas, como o Caminho Verde Brasil — programa do Ministério da Agricultura e Pecuária que pretende restaurar 40 milhões de hectares de áreas degradadas nos próximos dez anos, com crédito a juros mais baixos mediante produção regenerativa e sem desmatamento.

“A agricultura emprega 40% dos seres humanos e gera 10% do PIB global, mas recebe entre 3% e 4% do financiamento”, afirma Bastos, destacando o gap no crédito.

Na métrica europeia, o Brasil perde

Essa tropicalização de métricas é indispensável em um contexto em que a lavoura no Brasil adota práticas como a fixação biológica de nitrogênio, técnica criada pela Embrapa que usa bactérias para fortalecer as raízes e fomentar a transformação, pela soja, do óxido nitroso (causador do efeito estufa) em nitrogênio para as plantas.

“Como a gente vai emitir a redução de emissão, com que parâmetro? Por exemplo, nas regras europeias, a trincheira (buraco aberto na terra para medir a captura de carbono pelo solo) padrão tem 30 centímetros, mas no Brasil a raiz não raro desce quase um metro. Se só posso medir o carbono nos 30 centímetros, já saio perdendo.”

“Stop loss” na lavoura

Além da demanda por métricas tropicalizadas, o painel discutiu também o papel da agricultura regenerativa na mitigação do risco da atividade rural.

Como definiu a produtora Aline Vick, da Fazenda Estância, em Pirassununga (SP), a adoção de práticas regenerativas — pelas quais sua propriedade produtora de grãos é famosa desde que começou a adoção, há quatro anos — significa, na prática, um mecanismo para estancar perdas financeiras.

“A gente sofre com a mudança climática, e o dominó começa a cair se tivermos efeitos e não conseguirmos pagar. A agricultura não tem ‘stop loss’, posso perder 100% do que plantei se vier uma seca ou uma enchente. A agricultura regenerativa significa um limite para as perdas”, ela explicou.

Por exemplo, na retenção de umidade a partir da palhada. “Não temos irrigação, então preciso que a água caia do céu e fique no solo, sem evaporação, pois nunca sei quantos milímetros de chuva vou receber, nem quando. Daí o uso da braquiária para aprofundar as raízes e criar túneis que façam a água se depositar bem lá embaixo.”

Vick salientou como, além de reduzir o risco, a adoção das melhores práticas do ponto de vista da sustentabilidade amplia a atratividade da produção rural frente aos grandes compradores, sejam eles tradings ou indústrias de alimentos no Brasil ou no exterior.

“Nossa fazenda tem uma emissão 60% menor na soja e 40% menor no milho. Isso só é possível graças à Embrapa e à ciência. Pensando nas empresas que têm que compensar seus inventários de carbono em toda a cadeia, os grãos brasileiros são muito mais atrativos e limpos.”

Meta triplicada no Reverte

Também participando do painel na AgriZone, Pedro Fernandes, diretor de agro do Itaú BBA, lembrou da meta inicial do Programa Reverte, uma parceria com a Syngenta que tem como objetivo chegar a um milhão de hectares regenerados até 2030.

Segundo ele, quando o programa começou, a meta era chegar em 100 mil hectares — hoje, já são quase 290 mil, com R$ 2 bilhões liberados.

“O tripé perfeito inclui a saúde do solo, a educação e o financiamento. Com esses três, a coisa anda”, pontuou André Savino, presidente da Syngenta. “Prova disso é o Reverte, com 290 mil hectares já executados, com métrica, KPI, nome, sobrenome e CPF do produtor. A dificuldade é atravessar os dois a três anos iniciais sem retorno para o fazendeiro”, completou.