
BELÉM (PA) – Com uma pluralidade de números e casos de sucesso em iniciativas de sustentabilidade, a pecuária teve destaque nas discussões no primeiro dia da COP30, em Belém (PA). Mas com um toque de pragmatismo: players e especialistas em diversas pontas da cadeia reforçaram que os programas, sejam de rastreabilidade, agricultura regenerativa ou economia circular, não param de pé sem retorno financeiro.
A palavra de ordem é escalar as soluções sustentáveis na pecuária amazônica e estimular a adesão dos pequenos pecuaristas — são mais de 110 mil no Pará. O estado abriga 25,5 milhões de cabeças, o segundo maior rebanho do Brasil, atrás apenas do Mato Grosso (32,9 milhões).
“O melhor incentivo para o produtor é faturamento. E, com lucro no bolso, ele não faz nada que a gente não quer que ele faça, principalmente abrir novas áreas”, sintetizou Manuela Maluf Santos, diretora-executiva da IDH Brasil, uma ONG global com sede na Holanda e escritório em Cuiabá (MT) voltada a promover desenvolvimento econômico e social com proteção ambiental.
Ela falou no painel “Agricultura regenerativa: integrando a pecuária para ampliar a sustentabilidade”, realizado nesta segunda-feira no pavilhão do Consórcio Interestadual da Amazônia Brasileira, na Blue Zone.
“A pecuária é um universo muito heterodoxo. Há produtores que ainda fazem como há 60 anos, mas também já tem modelos de alta tecnologia e resiliência”, completou.
Segundo Santos, é muito comum a IDH Brasil visitar produtores “doidos para abrir uma nova área na propriedade”, incomodados com o baixo faturamento — o que se explica pela falta de adoção de técnicas de manejo, incluindo práticas regenerativas.
“É uma tristeza ver área de pastagem que podia render cinco vezes mais, mas o modelo mental do produtor é antigo. Uma árvore é renovável, uma floresta, não; a gente não pode se dar ao luxo de perder mais áreas.”
Gilberto Tomazoni, CEO Global da JBS, afirmou que um dos grandes desafios em jogo é estruturar um prêmio de preço para o produtor aderente às melhores práticas.
“Nos últimos 40 anos, o Brasil cresceu a produtividade em 120% e reduziu 20% da área. São números bonitos, mas os Estados Unidos têm menos da metade do nosso rebanho, e produzem mais carne. Nosso papel é acelerar o processo.”
Ele lembra um ponto que intensifica a urgência: “A população global está crescendo, já há 2,3 bilhões de pessoas em moderada ou severa crise alimentar, e 700 mil passando fome.”
O consumidor não paga a conta
Sem incentivo econômico, nem os pequenos pecuaristas vão aderir, nem o consumidor vai comprar, sintetizou Tomazoni.
“Sustentabilidade sem produtividade faz aumentar o preço dos produtos, e passar o custo ao consumidor é tarefa ingrata, ele não vai pagar essa conta”, afirmou.

Nelcina Tropardi, vice-presidente da área jurídica, ESG e corporativa do Grupo Carrefour Brasil, afirmou que é papel do varejo promover essa conversa com o consumidor.
“Mesmo quando não pergunta diretamente, a gente sabe que existe uma exigência implícita da parte do cliente de que os produtos sejam sustentáveis e de origem transparente. Nosso papel é criar uma narrativa para trazer o consumidor junto.”
Rastrear é barato, o custo é regularizar
“De longe a parte mais cara não é a rastreabilidade, é a regularização”, afirmou José Otávio Passos, diretor sênior da The Nature Conservancy (TNC).
Ele falou em outro painel sobre a sustentabilidade na pecuária, dessa vez no pavilhão da CNI (Confederação Nacional da Indústria), intitulado “Como as parcerias público-privadas estão tornando a rastreabilidade da carne bovina uma realidade”.
O principal exemplo dessas parcerias é o Programa Pecuária Sustentável do Pará, uma coalizão entre o governo estadual, a TNC, a JBS e outros frigoríficos para rastrear individualmente 100% do rebanho paraense até o final de 2026.
Há uma semana, em um primeiro e simbólico resultado, duas lojas da rede Atacadão, do Grupo Carrefour, receberam um primeiro lote de carne paraense 100% rastreada.
“A rastreabilidade é apenas a âncora, o programa incentiva a regularização de imóveis e a requalificação técnica para aumentar a produtividade. E previu benefícios, como a gratuidade da brincagem para produtores com até cem cabeças”, completou Passos.
Também participando do segundo painel, Renata Nobre, Secretária Adjunta de Água e Clima (SEMAS) do Pará, detalhou como nessa oferta de ajuda é preciso superar o medo e a desconfiança.
“A regularização ambiental assusta os produtores. Para colocar brincos no rebanho, tem que estar com o imóvel regular, e nessas muitos já declinavam. Juntar a estrutura de regularização fundiária com a ambiental é essencial.”
Segundo Tomazoni, essa é premissa de programas recentes da JBS para dar assistência ao produtor, como os Escritórios Verdes, que, segundo ele, já têm mais de 8 milhões de hectares com passivos socioambientais recuperados em 20 mil fazendas.
Também é a ideia por trás, ele diz, de uma parceria recente com o Fundo JBS pela Amazônia que motivou a doação de R$ 31 milhões para ajudar 1.400 famílias, com bons números: 74% de aumento da produtividade e 175% de alta na renda.
Cuidar do pasto como lavoura
Segundo Santos, da IDH Brasil, a solução para qualificar a produção passa por entender a pecuária como se agricultura fosse, “e cuidar do pasto como se cuida da lavoura.”
Inclusive no sequestro de carbono da atmosfera, pontuou Tomazoni. “Uma pecuária bem gerenciada é carbono positivo, remove mais carbono do que emite.”
Exemplo disso é a Fazenda Cigana, no sul de Minas, administrada por Ana Paula da Silva, segunda geração da família e no negócio desde 2017. Ela ficou pelo segundo ano seguido em primeiro lugar no programa Fazenda Nota 10, da Friboi, que premia produtores que adotam melhorias de gestão e produtividade, incluindo práticas de agricultura regenerativa.
“Temos tido exposição pelos nossos números unindo rentabilidade e sustentabilidade, que muitos acreditam que são antagônicas, mas creio que são complementares. Quando cuidamos do solo, tivemos mais sucesso financeiro. Minhas práticas são bem comuns, mas o arroz e feijão bem-feito já é meio caminho andado.”
Isso inclui o uso do esterco do gado em compostagem para depois nutrir a plantação de milho que supre quase toda a demanda por ração. “Começamos há três anos a integração lavoura-pecuária, e, com a rotação de culturas, nossas análises de solo têm melhorado muito”, ela diz.
A fazenda ainda tem sua própria plantação de eucalipto, além de energia solar e recolhimento de sucata.