
Sob a ótica de empreendedores, a falta de recursos é frequentemente apontada como um dos principais gargalos para projetos sustentáveis ganharem escala. Nesta segunda-feira, firmas globais de investimento mostraram o outro lado da moeda.
Na visão do GIC, o fundo soberano de Singapura, e da Just Climate, firma de investimentos criada a partir da Generation Investment (de Al Gore), um dos principais entraves para aumentar a alocação no Brasil vem da falta de projetos capazes de abraçar o tamanho dos cheques que investidores internacionais estão dispostos a assinar.
No caso do GIC, os cheques variam entre US$ 250 milhões e US$ 1 bilhão, por exemplo. “Por mais que o potencial no Brasil seja grande em uma quantidade enorme de segmentos ligados à sustentabilidade, o número de oportunidades escaláveis para nós, hoje, é pequeno”, disse Wolfgang Schwertle, head de investimentos para a América Latina, durante evento promovido pelo think tank americano Milken Institute, em São Paulo.
“Adoraria ver e encorajo o setor privado no Brasil a ter uma abordagem mais proativa em torno da sustentabilidade”, completou.
Clara Barby, sócia sênior da Just Climate, endossou o ponto. Para a instituição, ainda é difícil encontrar projetos de sustentabilidade num “ponto médio” de escala, no vácuo entre o venture capital e projetos consolidados.
No esforço para contornar esse desafio, pela primeira vez, o fundo global da instituição vai começar a operar com instrumentos em que vai atuar de forma simultânea como investidor institucional e investidor de projeto.
A lógica é que, uma vez passada a fase da rebentação, a Just Climate vai conseguir começar a alocar capital em volumes maiores nos projetos de sustentabilidade visados pela instituição.
No agronegócio, a instituição tem olhado principalmente para áreas ligadas ao dia a dia dos produtores, com um olhar que mistura o agronômico ao financeiro. Num exemplo desse mix, recentemente a firma investiu em bioinsumos — mas está de olho em tudo que envolve o dia a dia do produtor, incluindo segmentos como agricultura de precisão e produtos de monitoramento.
“As grandes oportunidades virão se nós conseguirmos trazer para baixo a curva de custos de projetos, sejam eles ligados à área industrial ou de recuperação de áreas degradadas. Precisamos fazer com que esses projetos escalem”, destacou Barby.
No caso do GIC, ainda não há iniciativas tão inovadoras. Mas um ponto que tem ajudado o fundo soberano a preencher esse gap — de projetos que já se provaram mas que não chegaram à maior escala que podem ter — está em contratos de off-take (nos quais um comprador se compromete a comprar uma grande quantidade de outra empresa).
“Isso faz muita diferença quando vamos ao comitê de investimentos, porque demonstra que uma empresa já tem demanda e está contratualmente garantida por vários anos”, destacou Schwertle.
O foco do GIC
Com um modelo de investimentos minoritários e de longo prazo (ao redor de 20 anos), o fundo soberano tem buscado projetos dedicados à transição energética e à recuperação de áreas degradadas.
“É impossível escolher entre um e outro. Transformação de áreas degradadas é certamente um foco para nós. Nesse sentido, já investimos por exemplo em insumos biológicos no Brasil, com algum sucesso”, destacou Schwertle.
Nesse foco dividido, as discussões ligadas à transição energética têm tomado a dianteira dentro do fundo soberano, admitiu o executivo. Soluções de energia limpa, incluindo equipamentos, serviços e softwares capazes de tornar a rede elétrica mais flexível, têm sido uma prioridade nas discussões globais do fundo soberano.
“Nós acabamos de anunciar um investimento em uma empresa que é capaz de aumentar linhas de transmissão, um processo muito importante para a construção de capacidade de energia, de olho no futuro”, explicou Schwertle.
Potencial de sobra… para os cheques menores
Enquanto as grandes oportunidades ainda são raras, quem consegue preencher cheques menores vê um horizonte bem mais promissor para atuar no País. É o caso de Tony Lent, co-fundador da Capital for Climate, organização que faz o meio de campo entre oportunidades de investimento no Brasil e investidores internacionais.
Gestoras que atuam em algumas camadas abaixo de um fundo soberano, como a AXA ou a Just Climate, citou Lent, conseguem preencher cheques de US$ 30 milhões a US$ 150 milhões, e veem um pipeline maior de ativos no País.
De olho nos próximos anos, Lent vê um horizonte de US$ 6 bilhões investidos no Brasil até 2028, sendo a maior parte formado por cheques de US$ 10 milhões a US$ 100 milhões.
“Nós trabalhamos no Brasil desde 2021. Organizamos alguns investidores em uma coalizão de investimentos. No primeiro ano, em 2023, o cheque médio que fazíamos era de US$ 5 milhões a US$ 10 milhões. No segundo ano, o mínimo passou para US$ 15 milhões. No ano passado, foi de US$ 30 milhões”, exemplificou Lent.
“O nicho intermediário no Brasil já é muito sofisticado e deve dobrar nos próximos 48 meses em tamanho. Gestoras como a Régia, Pátria, Fama, RRG e outras estão bem-posicionadas para ir ao mercado internacional e captar US$ 200 milhões a US$ 500 milhões”, completou.