
A escassez de crédito e a falta de liquidez no campo estão presentes em todas as rodas de conversas no agro nos últimos meses. Faltavam números que traduzissem essa percepção em dados concretos. Não faltam mais.
O último relatório mensal de crédito do Banco Central, divulgado na semana passada, indica o tamanho do buraco em que o produtor rural pessoa física está metido. Em setembro, o volume de empréstimos a taxas de mercado concedidos para essa classe somou R$ 6,8 bilhões, uma queda de 40% em relação ao mesmo mês de 2024.
No quadro geral (somando esses empréstimos àqueles com taxas reguladas), a situação é menos drástica, mas a tendência é a mesma: os empréstimos caíram 11%, de R$ 28,9 bilhões, em setembro de 2024, para R$ 25,7 bilhões um ano depois.
O dinheiro também ficou mais caro. O produtor pagou 14,8% nos financiamentos a taxas de mercado, ante 13,1% em setembro do ano passado — refletindo o aumento da Selic.
Mais do que pelos juros, o esvaziamento de recursos talvez possa ser explicado pela inadimplência dos produtores pessoa física. Nos empréstimos a taxas de mercado, a inadimplência saiu de 3,4% em setembro de 2024 para 10% em setembro de 2025. Mesmo ao incluir os recursos subsidiados na conta, o salto é considerável: saiu de 2,2% para 5,4%.
O fantasma das RJs
É verdade que a alta dos juros afeta o desempenho do crédito, mas o que vem assolando as instituições financeiras é o volume de recuperações judiciais.
Em entrevista à Bloomberg na semana passada, Felipe Prince, vice-presidente de controles internos e gestão de riscos do Banco do Brasil, mostrou que o banco tem R$ 5,4 bilhões em empréstimos paralisados devido a RJs. Dois terços desses clientes nunca haviam ficado inadimplentes com o banco, segundo o executivo.
O banco tem hoje uma carteira de R$ 404 bilhões para o agronegócio. Responsável por mais de 60% do financiamento ao crédito rural, o BB viu a inadimplência chegar a 3,5% no final de junho, um aumento de 2,2 pontos percentuais em um ano.
O discurso de que essa crise é diferente das demais já tinha aparecido, no mesmo mês, em uma entrevista de Carlos Aguiar, diretor de Agronegócios do Santander, ao Money Times. Ao ressaltar a alta alavancagem do setor, o executivo justificou a decisão do banco de pisar no freio.
Nas PJs, o quadro é melhor
Enquanto escoar dinheiro para o produtor rural pessoa física está mais desafiador, para as empresas há mais recursos disponíveis. O volume de empréstimos rurais para pessoa jurídica foi de R$ 10,2 bilhões em setembro, ante R$ 7,5 bilhões no mesmo período do ano passado.
Os empréstimos também ficaram mais caros: as taxas de mercado, por exemplo, passaram de 12,6% ao ano, em 2024, para 14,1% neste ano.
A inadimplência, por outro lado, tem um comportamento bastante diferente, mostrando-se bem mais controlada entre as pessoas jurídicas. O indicador ficou em 0,6% em setembro, ante 0,4% no mesmo período de 2024. Nos empréstimos a taxas de mercado, foi de 0,8% em setembro, ante 0,5% no mesmo mês do ano passado.
O saldo das operações totais de crédito rural somou R$ 542 bilhões para pessoas físicas e R$ 99,4 bilhões para PJs em setembro.