Negociação comercial entre Brasil e EUA no etanol | Schutterstock

Ainda não há uma data definida para a próxima reunião entre autoridades de Brasil e Estados Unidos sobre o tarifaço. Mas há sinais claros do que o governo brasileiro pedirá e poderá oferecer em troca.

É prioridade para o Brasil a redução na sobretaxa de 40% sobre o café e a carne bovina brasileiros, dois dos principais itens da pauta exportadora para os EUA. O etanol, por sua vez, deve ser apresentado como contrapartida em um possível acordo comercial, gerando preocupações entre os produtores locais.

Atualmente, o etanol americano paga uma tarifa de importação de 18% para entrar no Brasil. A tarifa sobre o etanol, considerada “injusta” pela Casa Branca, inclusive faz parte da investigação aberta pelos EUA contra o Brasil em julho deste ano.

Segundo fontes consultadas por The AgriBiz, o governo brasileiro está disposto a ceder neste ponto. “Parece não haver mais dúvidas se o governo vai ou não ceder. Resta saber como e quando ele vai ceder”, afirma uma fonte do setor.

A isenção sobre o etanol seria uma boa notícia para os produtores norte-americanos, que têm enfrentado um excesso de oferta. Favorecida pela produção recorde de milho nos EUA, o aumento da produção de etanol tem pressionado os preços do biocombustível no mercado americano —lá, cerca de um terço da produção do cereal vai para a produção do biocombustível.

Por aqui, especialistas e agentes do mercado temem que a isenção ao etanol machuque empresas que têm investido para aumentar a produção em resposta à lei Combustível do Futuro, que estabelece metas de aumento no uso de etanol.

“Temos pressionado a diplomacia brasileira para que avalie essa questão. Um produto como o etanol, que faz parte da política energética do País, não pode ser colocado numa negociação como moeda de troca”, afirma Martinho Ono, sócio da SCA Trading. “Temos defendido com veemência que o etanol não seja colocado em leilão.”

O Brasil chegou a ser o maior mercado de exportação para o biocombustível americano, mas implementou tarifas de importação em 2017 depois que uma invasão do etanol americano derrubou os preços do biocombustível no País.

A partir daí, as compras minguaram, limitando-se a pequenas janelas durante a entressafra, nas quais o etanol americano consegue chegar competitivo ao Brasil. Outro fator que acabou desincentivando a importação de etanol nos últimos anos é o vigoroso crescimento da indústria de etanol de milho brasileira, que acabou sendo suficiente para atender a demanda.

Para Willian Hernandez, sócio da consultoria FGA, o mais provável é que o governo brasileiro ofereça aos EUA uma cota de importação sem tarifa. Uma vez preenchida essa cota, as importações adicionais seriam taxadas.

Entre 2017 e 2020, o Brasil chegou a implementar uma cota para as importações de etanol, que variou entre 600 mil e 750 mil metros cúbicos nesse período. Importações que excedessem esse volume pagavam tarifa. A partir de 2020, todas as importações dos EUA passaram a ser taxadas.

Timing ruim

O temor dos produtores brasileiros é de que o etanol americano piore um cenário já desfavorável para as usinas, que devem enfrentar margens mais apertadas na próxima safra.

Pelo menos três fatores devem pressionar os preços do etanol e do açúcar em 2026: a recuperação na produção mundial do adoçante; o consequente aumento na produção de etanol no Brasil com as usinas migrando para o biocombustível; e a redução no preço da gasolina, que pressiona o preço do etanol. Sem falar na explosão da produção de etanol de milho no País, que deve aumentar quase 20% no próximo ano, para 10 bilhões de litros.

“O cenário já é crítico para os preços no ano que vem independente da importação. Sem tarifa, piora ainda mais”, afirma o diretor da SCA.

Segundo ele, a oferta brasileira de etanol deve aumentar entre 3 a 4 bilhões de litros na próxima safra devido à recuperação dos canaviais e a um mix mais alcooleiro. Com a oferta maior, os preços devem cair, limitando o espaço para as importações.

“A arbitragem para importação naturalmente vai ficar mais achatada. Mas, sem a tarifa, teremos mais um grande produtor pressionando os preços no Brasil”, afirma Ono.

Segundo ele, o potencial de entrada do etanol americano no Brasil representa cerca de 10% da demanda. Isso porque as distribuidoras precisam contratar 90% do volume de etanol anidro que devem comercializar com 12 meses de antecedência, seguindo a resolução 67 da ANP. “Isso cria uma reserva de mercado para a produção local”, explica.

Como os produtores de etanol de milho nos Estados Unidos não produzem etanol hidratado, também existe uma limitação do tamanho do mercado que eles podem acessar. “Eles podem adaptar os seus modelos de produção para fazer etanol hidratado lá no Meio Oeste com as especificações brasileiras, mas isso exigiria um investimento”, afirma.

O impacto no Nordeste

O principal temor de lideranças do setor e de políticos é o efeito que um aumento desenfreado das importações poderia ter nas usinas do Nordeste, que são menos competitivas.

O etanol americano normalmente entra no País pelo Nordeste devido à proximidade geográfica com os EUA. Com uma produção anual de aproximadamente 2,5 bilhões de litros, o Nordeste não é autossuficiente em etanol, o que também favorece as importações.

“Os volumes chegam em plena safra nordestina, numa concorrência predatória com os produtores do Nordeste, que passam a perder competitividade”, afirma Renato Cunha, presidente da Novabio, associação que representa as usinas da região. “Passamos a vender etanol abaixo dos custos de produção, sem uma remuneração condizente e pior: o preço não abaixa para o consumidor.”

Os efeitos, no entanto, não ficam limitados àquela região. “Se os EUA mandarem 1 bilhão de litros como eles costumavam fazer quando tinham tarifa zero, o volume é significativo para ficar represado em uma região apenas. Como o Brasil não precisa de importações, o etanol americano contamina a precificação para todo o País”, diz.

Segundo maior produtor de etanol do mundo, o Brasil deve produzir cerca de 36 bilhões de litros do biocombustível na safra 2024/25, enquanto a demanda interna deve totalizar 35 bilhões de litros neste ano.

E o açúcar?

Parte do setor defende que, se o etanol for incluído nas negociações com os EUA, o açúcar também deve entrar. Os EUA impõem uma tarifa de US$ 360 por tonelada às importações brasileiras de etanol que excederem uma pequena cota de 150 mil toneladas que o Brasil divide com outros 39 países.

“É uma cota bastante tímida e não somos nem a maior cota”, frisa Cunha. “Se há um esforço a ser feito, teria de ser por meio da troca de ATRs (Açúcar Total Recuperável), fazendo um equilíbrio no balanço de sacarose”, acrescenta.

Dessa forma, para atender a uma demanda dos produtores de etanol dos EUA, o Brasil poderia importar o biocombustível sem tarifas e, para compensar, enviar açúcar para a maior economia do mundo com isenção.

Outro fator que os negociadores brasileiros deveriam levar em consideração é o diferencial sustentável do etanol de cana nacional em comparação com o etanol de milho dos EUA. “O nosso etanol tem uma pegada de carbono muito menor do que o americano”, lembra Martinho Ono.