
Foi um sopro de esperança quando, na COP de Dubai, em dezembro de 2023, o governador do Pará, Helder Barbalho, anunciou um plano para rastrear individualmente todo o rebanho do estado.
Desde então, uma coalizão entre o governo, a TNC (The Nature Conservancy), a JBS e outros frigoríficos vem deflagrando um movimento de escala inédita para atingir aquela meta ambiciosa — o Pará tem o segundo maior rebanho bovino do Brasil, com 25 milhões de cabeças.
Nesta segunda-feira (3), começou a ser colocado em prática um pioneiro resultado daquela iniciativa: duas lojas da rede Atacadão em Belém (PA) receberam da JBS uma entrega de 12 toneladas do primeiro lote de carne bovina rastreada do Pará.
Efetivada por meio de brincos eletrônicos nos animais, a medida significa um relevante aumento de precisão no nível de rastreabilidade que vigorava no estado. Como na maior parte do País, no Pará as diversas pontas da cadeia, dos pecuaristas aos grandes varejistas, passando pelos frigoríficos, faziam o controle dos animais apenas por lote, utilizando a GTA (Guia de Trânsito Animal).
Para além do simbolismo, a possibilidade de analisar o histórico da carne em uma minúcia maior é tida por especialistas como um ponto chave para o combate ao desmatamento ilegal e a transparência da cadeia produtiva.
O primeiro lote de carne 100% rastreada é também um sinal positivo de que a ambiciosa meta estabelecida pelo governador Jader Barbalho no Programa Pecuária Sustentável do Pará, de identificar 100% do rebanho até o final de 2026, pode ser cumprida.
E é essencial que seja: em entrevista ao The AgriBiz em março, Fábio Dias, diretor de pecuária da Friboi e líder de agricultura regenerativa da JBS, explicou como a agência sanitária não emitirá mais a GTA a partir de janeiro de 2027 caso os animais não estejam brincados e em conformidade.
Entre os objetivos para uma segunda fase do projeto está o abastecimento de outros estados do Brasil com carne rastreada, incluindo São Paulo, por meio das plantas frigoríficas situadas no estado, que já distribuem produtos nacionalmente.
Apoio para chegar ao pequeno produtor
Um dos principais desafios é fazer a tecnologia dos brincos eletrônicos conectados ao Sistema de Rastreabilidade Bovídea Individual do Pará (SRBIPA), incluindo um custo de aplicação estimado em R$ 4 por animal, chegar aos pequenos produtores.
Segundo um estudo da Bain em parceria com a TNC (The Nature Conservancy), em 2023 ao menos 50% do rebanho bovino paraense estava em propriedades rurais com problemas relacionados ao desmatamento. E a ampla maioria (88%) com imóveis irregulares era formada por pequenos imóveis e assentamentos.
Para enfrentar esse problema, o Pará conseguiu apoio financeiro da TNC e da JBS, com 2 milhões de pares de brincos doados e custeio à aplicação.
O Grupo Carrefour Brasil, dono do Atacadão, também aportou R$ 10 milhões no projeto de rastreabilidade, com foco em assistência técnica, regularização e engajamento da cadeia — o valor integra os R$ 50 milhões de seu Fundo de Florestas, que foca projetos voltados ao combate ao desmatamento e à proteção da biodiversidade.
Para Nelcina Tropardi, vice-presidente de Assuntos Corporativos, ESG e Jurídico do Grupo Carrefour Brasil, a medida “É um avanço importante, pois permite análises mais precisas de conformidade, e aproxima o consumidor da origem, valorizando o produtor local e protegendo a floresta”.
Renato Costa, presidente da Friboi, do grupo JBS, reforçou o compromisso da empresa “com uma produção cada vez mais sustentável e transparente”.
José Otávio Passos, diretor de Amazônia da organização de conservação ambiental TNC, exaltou o que vê como o início de uma nova era para a pecuária no Pará.
“O programa de identificação individual promove integridade socioambiental, apoia pequenos produtores e estabelece critérios claros de reconhecimento. Estamos pavimentando o caminho para uma produção mais sustentável e valorizada, com potencial de inspirar todo o Brasil”, afirmou.