
Fosse um Boeing 747, a Kepler Weber estaria demonstrando em seu balanço do terceiro trimestre que um motor é suficiente para voar — ainda que os outros três estejam circunstancialmente pifados.
A imagem é do CEO Bernardo Nogueira, e ilustra as razões pelas quais a empresa gaúcha vê sua tese de investimento continuar sólida, apesar de as principais linhas do balanço ainda estarem negativas na comparação com 2024.
Na metáfora, a primeira turbina é a margem, hoje apertada; a segunda é o crédito, indisponível pela alta inadimplência; e a terceira são os juros, em patamar altíssimo.
“Assim como um Boeing voa com uma turbina só, a gente estabiliza nosso resultado, mesmo em ano de crise, com o motor que segue ligado: o déficit de armazenagem no País”, disse Nogueira durante apresentação a jornalistas em São Paulo.
Segundo o CEO, enquanto o Brasil tem 17% da capacidade de armazenagem dentro das fazendas, a Argentina tem 40% e os Estados Unidos, 60%. “Continuo convicto de que vamos elevar esse patamar para 30% nos próximos dez anos, mesmo com as dificuldades”.
Ruim, mas melhorou
No mercado, muitos temiam que a Kepler Weber já tivesse “operado os milagres” que podia, fechando negócios volumosos com clientes que não são produtores — como Be8 e operadores portuários.
Mas os investidores parecem concordar com Nogueira sobre a sustância da tese da Kepler Weber. “Mesmo em um ano difícil para o agro, quando o normal seria fugirem”, afirmou o CEO. Segundo ele, a composição da base de acionistas cresceu 13,7%, de 75,8 mil para 86,2 mil.
Em 12 meses, a ação (KEPL3) acumula queda de 14,7%. Mas nos últimos 30 dias, o papel subiu 5,01%. A ver como o mercado vai digerir o balanço do terceiro trimestre.
Os principais destaques vieram “menos ruins” do que no primeiro e no segundo trimestres, embora ainda negativos na comparação com 2024.
A receita diminuiu pela terceira vez consecutiva, mas menos do que nos dois balanços anteriores de 2025: queda de 3,6%, para R$ 423,3 milhões. O Ebitda caiu 20,8%, para R$ 73,6 milhões, e o lucro líquido diminuiu 13,5%, para R$ 51,6 milhões — em ambos, as quedas na base anual também foram menores do que nos últimos dois trimestres.
Além disso, o Ebitda do terceiro trimestre representou 45% do acumulado no ano, e a margem Ebitda subiu 5,2 pontos percentuais na comparação com o trimestre anterior. São sinais de que o faturamento está iniciando uma recuperação, argumentou Renato Arroyo, diretor financeiro e de relações com investidores.
Segundo o executivo, o resultado foi prejudicado por uma provisão de R$ 11,2 milhões de reconhecimento de créditos tributários extemporâneos, nos termos da lei complementar 160/2017 — a despesa não recorrente teria aumentado em 15% o Ebitda do período.
Para Nogueira e Arroyo, a Kepler “se defendeu bem” em mais um período de números no vermelho, fazendo-os “fechar a diferença”, como definiu a liderança da empresa. Seguir diminuindo a perda relativa na comparação com 2024 é o que a liderança estima para o quatro trimestre, de olho em um 2026, aí sim, positivo.
Diversificar é preciso
Em entrevista a jornalistas, a Kepler Weber voltou a destacar os esforços para diversificar o faturamento e torná-lo menos suscetível às ciclotimias do agro.
O segmento de fazendas ainda é o de mais peso, com 32,3% do faturamento. Mas com a escassez de crédito e de garantias, não tem sido possível crescer à base de mais vendas para produtores rurais — e esse cenário deve se manter no segmento, tradicionalmente mais sensível às condições de financiamento.
A disponibilidade de crédito já vinha ruim desde 2024, como mostram o saldo de recuperações judiciais e os prejuízos em credores com maior exposição ao agro, como o Banco do Brasil. Mas o cenário se deteriorou nas últimas semanas, a ponto de em alguns casos os fazendeiros estarem atrasando a compra de defensivos.
Nesse contexto desfavorável para sua principal vertical, a empresa se escorou em outras: os canais de internacional, portos e manutenção, que somados respondiam por 32% do faturamento no terceiro trimestre de 2024, saltaram para 42%.
Em internacional, o crescimento na base anual foi de 23,6%. O bom desempenho incluiu um aumento de 30% nos negócios na Argentina que tornou os hermanos o maior cliente estrangeiro, saltando de 3% para 17% das vendas externas.
Houve também negócios no Peru e no Uruguai, e uma venda na Venezuela — com pagamento adiantado, como Nogueira cautelosamente detalhou — que é o maior projeto da história da companhia em solo estrangeiro.
Em ambos os casos, quem puxou os pedidos foram grandes produtores de arroz.
Portos e serviços
Em Portos e Terminais, o crescimento anual foi expressivo, de 97,4%, com vendas para um porto marítimo na Bahia e para um terminal de transbordo no Mato Grosso.
Reposição e Serviços cresceu 10,8%, puxado por modernizações e ampliações e pelo desempenho das selecionadoras ópticas que a Kepler vende sob a marca Seletron.
A busca por mais diversificação de receitas deve prosseguir, incluindo novas parcerias para prestar serviços — e gerar receitas recorrentes — nos moldes da anunciada com a Procer, para oferecer soluções financeiras a produtores rurais.
Os potenciais novos parceiros, “já em tratativas avançadas” e com possível anúncio ainda em 2025, diz Nogueira, são dos setores de logística, trading e seguradoras.
Como nos últimos balanços, a companhia completou o pacote de autodefesa com mais cortes de custos — as despesas gerais e administrativas caíram 3% no trimestre e 4% no acumulado dos nove primeiros meses do ano.
O que fazer no Brasil?
No Brasil, o principal vetor foram os biocombustíveis, principalmente o etanol de milho. O destaque foi um negócio fechado com uma grande esmagadora de soja no Paraná.
Segundo Nogueira, essa cadeia colaborou para evitar uma queda ainda maior na vertical de agroindústrias — a diminuição no terceiro trimestre foi de 30,6%. “E vamos ter mais anúncios em breve ligados a biocombustíveis”, adiantou o CEO.
Duas inovações introduzidas recentemente podem ajudar a Kepler: o KW Biocav, um alimentador e secador automático de cavacos de madeira, e o CTF Carretel, para transporte de grãos, ambos destinados a indústrias de biocombustíveis.
Em termos regionais, o destaque dos biocombustíveis foi, e deve continuar sendo, o Mato Grosso — mais precisamente o flanco oeste, de cidades como Lucas do Rio Verde e Sorriso. “As vendas na região excedem muito o saldo de 2024”, disse Nogueira.
O movimento na região não é de expansão territorial, mas de verticalização, ele diz. “Os produtores estão crescendo para dentro, investindo em frota de caminhões, irrigação e armazenagem.”
Diante de clientes com menos fôlego, a Kepler foi mais pressionada a dar descontos, disse Arroyo. Por outro lado, a base cresceu 13% na comparação anual. “Hoje, temos tickets um pouco menores, mas mais clientes, o que vai gerar recorrência de peça de reposição ou de serviço. Dá mais trabalho servir [essa clientela maior], mas é positivo.”