
Após uma sequência de frustrações de safra que consumiram os estoques globais de café a um virtual “zero a zero”, a temporada 2025/26 sinaliza trazer um pouco de alívio — e com um potencial reflexo nas cotações. A previsão é do Rabobank, que apresentou hoje à imprensa seu reporte anual “Perspectivas para o Agronegócio Brasileiro 2026”.
Segundo Guilherme Morya, analista de café do banco, com a previsão de melhora na oferta nos principais países produtores, o saldo dos estoques globais deve subir de 1,7 milhão de sacas, tido como “virtualmente nulo”, para 3,3 milhões de sacas.
“No próximo ciclo, acreditamos em uma recuperação da oferta global. Um pouco vindo do Brasil, com leve incremento apesar do cenário incerto, mas com mais influência de outras regiões produtoras, como Vietnã e Indonésia”, disse Morya.
Segundo ele, a próxima safra vai suceder dois anos de déficits em 2021 e 2022 e mais dois de superávits muito apertados em 2023 e 2024. “Ainda é pouco em comparação com o último momento de sobra de estoques, que foi de 10 milhões de sacas em 2020, mas permite imaginar um alívio nos preços”, disse Morya.
Segundo o Rabobank, esse alívio deve ser da ordem de 13%, o suficiente para reduzir a cotação do café arábica em Nova York dos atuais US$ 3,80 por libra-peso para algo entre US$ 3,10 e US$ 3,50 por libra-peso em meados de 2026.
O papel do Brasil
Mas tudo isso vai depender do Brasil — especificamente, dos efeitos das recentes condições climáticas sobre a safra do arábica e dos desdobramentos das negociações comerciais entre o País e os Estados Unidos a respeito da taxação de 50% sobre o café.
No clima, o Rabobank relata preocupação com a irregularidade registrada em agosto, quando uma frente fria afetou regiões produtoras, como o Cerrado mineiro, e em setembro e outubro, quando o regime de chuvas foi diferente do esperado — e ainda houve granizo em alguns municípios.
“Tudo isso diminuiu o otimismo que havia há quatro meses com relação à safra do arábica no Brasil e ampliou as dúvidas; vamos precisar acompanhar”, disse Morya.
Com relação às tarifas, os receios dizem respeito à forte redução nas importações americanas de café brasileiro registradas em agosto e setembro.
“A tarifa afetou a competitividade do café brasileiro nos EUA. Os dados do Cecafé mostram uma queda de 50% nas exportações em agosto e setembro. Como consequência, eles precisaram recorrer a outras fontes, como Colômbia e Etiópia.”
O resultado disso, ele diz, foi uma redução pronunciada — de 45%, o equivalente a 380 mil sacas — no estoque certificado em Nova York.
“A chegada das colheitas em outros países produtores deve acomodar a situação um pouco, mas dada a incerteza que permanece, não acreditamos em uma mudança significativa da inquietação no mercado”, disse Morya.
Essa inquietação é um dos principais vetores da alta volatilidade nos preços que tem sido a tônica de 2025, segundo o analista do Rabobank.
“Na bolsa de Nova York, o arábica estava em US$ 4,38 por libra-peso em fevereiro. Em julho, recuou para US$ 2,80. E agora está perto de US$ 3,80. No robusta, a mesma tendência pode ser observada: começou o ano em US$ 5,8 mil a tonelada, caiu para US$ 3,3 mil em julho, e agora recuperou um pouco para US$ 4,5 mil.”
A queda no ano no café robusta foi mais acentuada: 14% em Londres e 29% no Brasil, em comparação com uma retração de 14% no arábica em Nova York e de 17% no Brasil.
Nesse contexto de dúvida, o Rabobank estima uma produção de 62,8 milhões de sacas no Brasil, com 38,1 milhões de sacas de arábica (queda de 14% frente a 2024/25) e 24,7 milhões de sacas de robusta (aumento de 10%).
Caso a previsão se confirme, a safra apresentará um crescimento de 15,8% frente às 54,2 milhões de sacas beneficiadas em 2024/25, segundo a Conab.
“No robusta, estamos ouvindo que lavouras velhas estão passando por podas, o que limita o potencial produtivo. Por outro lado, com os preços elevados nos últimos anos, houve aumento de área, e parte das novas lavouras vão começar a produzir — e são regiões com mais irrigação. No fim das contas, imaginamos leve crescimento geral.”
O banco revisou para baixo, em 0,9%, sua previsão de consumo no Brasil, para 21,4 milhões de sacas. Para 2026, a estimativa do Rabobank é que o consumo cresça 1,2%, para 21,7 milhões de sacas.
Já a estimativa de exportações no ano que vem foi reduzida pelo banco de 45,6 milhões de sacas para algo entre 39 milhões e 41 milhões de sacas.
EUDR gera corrida por café
Os preços continuam — e devem seguir — em patamares historicamente elevados, segundo o Rabobank, o que Morya credita à volatilidade, por sua vez puxada por três fatores:
“O primeiro é o choque de oferta nos últimos três anos, deixando os estoques em nível baixo, o que é preocupante em um cenário de aumento no consumo. O segundo são as questões geopolíticas, principalmente a tarifa do governo americano. E o terceiro é a aproximação da EUDR.”
A European Union Deforestation Regulation, ou Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento, entra em vigor em 30 de dezembro. A lei impõe regras ambientais e de rastreabilidade, com prováveis exceções estendendo o prazo de adequação para pequenos produtores.
A aproximação da data-limite para a vigência da nova lei já fomentou uma antecipação de importações por parte de países-membros da União Europeia, diz Morya. E essa corrida pelo café pode se intensificar nos próximos meses.
“Ficou uma incerteza no mercado sobre o que de fato vai passar a valer no fim do ano. Até a votação do Parlamento europeu, o cenário é de penalidades aos cafés que não estejam em conformidade. Por isso, vimos torrefadoras antecipando importações, gerando mais volatilidade, e imaginamos que esse movimento possa se intensificar”, detalhou Morya.