
No início do plantio da safra passada escrevi um artigo ressaltando a importância do planejamento da comercialização. Em um cenário de normalização de preços, o resultado geral foi bom, mas é importante lembrar como o câmbio deu um alívio de última hora aos preços baixos. Neste ano, ainda não sabemos se teremos novamente o mesmo refresco.
Temos muitos outros desafios no momento, como a renovada guerra comercial e a aproximação de mais um ciclo eleitoral. O que tem guiado a realidade e as decisões do dia a dia, no entanto, é o alto custo do capital. O juro é, provavelmente, o preço que mais se alterou de um ano para o outro. O dinheiro está caro — e escasso.
Claro que a variável macroeconômica do juro estrangula a economia como um todo, não apenas o agro. Mas a percepção do crédito rural se deteriorou nos últimos anos, o que comprime ainda mais as margens já minguadas de quem utiliza alguma alavancagem.
Nesses momentos de aperto, todos nos esforçamos para apertar os cintos e economizar, buscar aquele diazinho a mais de prazo, encontrar um barter mais eficiente.
Mas, estruturalmente, a viabilidade do negócio está ameaçada?
Já comentei nesta coluna que o gestor de risco deve sempre imaginar e extrapolar cenários. Até que ponto devemos combinar incertezas desfavoráveis — e como isso nos afeta?
Muitos já tiveram essa dura conversa e chegaram à conclusão da necessidade de desinvestimento: melhor um passo atrás agora para poder dar dois à frente mais adiante.
Mas a que nível de preço a oferta e a demanda vão se encontrar? Essa é a conta que importa. O aumento do custo de capital não é apenas um desafio financeiro — ele altera o equilíbrio entre produção, comercialização e investimento.
O crédito rural, que sempre funcionou como amortecedor do ciclo, hoje é um gargalo. A percepção de risco subiu, os bancos e fundos revisaram critérios de garantia e os spreads se alargaram.
Em outras palavras, a terra produz devagar, mas o capital cobra rápido. E é nessa defasagem que o produtor precisa se reinventar — seja alongando dívidas, redesenhando fluxos de caixa ou buscando instrumentos de hedge de juros e de câmbio.
Em um ambiente de crédito caro e seletivo, o acesso ao capital passa a ser reflexo direto da governança financeira e da qualidade da gestão de riscos. Não basta mais ter ativos ou produtividade — é preciso ter previsibilidade.
As empresas e os produtores que tratam o fluxo de caixa como prioridade estratégica conseguem atravessar melhor os períodos de aperto. A eficiência operacional, que antes era diferencial de rentabilidade, torna-se agora diferencial de sobrevivência.
Vale lembrar que gestão de risco não é apenas evitar prejuízo, mas manter opcionalidade, ou seja, a capacidade de reagir rapidamente quando o ciclo virar. E ele vai virar.
Os juros, por natureza, são cíclicos: o crédito se retrai, mas também se expande. Quem conseguir preservar liquidez e reputação financeira sairá na frente quando o mercado voltar a precificar risco de forma mais racional.
Direto da mesa de risco
O início do plantio vem ocorrendo em linha com o histórico, muito atento às tarifas de Donald Trump e às previsões climáticas. Mas, para seguir no tema deste artigo, é importante comentar os movimentos globais que se iniciam com os cortes de juros do Federal Reserve, enquanto vivemos no Brasil em níveis historicamente altos.
Já vimos momentos de grande discrepância entre as taxas locais e as taxas globais. Mas, salvo em situações de desgoverno econômico, pode-se esperar uma convergência — e ela virá, mais cedo ou mais tarde. Até lá, seguimos navegando em um mar de crédito raso e juros profundos.
Em termos práticos, três movimentos imediatos:
- 1. Liquidez acima de tudo: reduzir imobilização não essencial, acelerar recebíveis, vender ativos não produtivos, manter caixa tático.
- 2. Fluxo de caixa como bússola: sincronizar safras de pagamento e recebimento, revisar barter e travas com base fluxo de caixa, não na intuição.
- 3. Reputação de crédito: transparência, governança e covenants cumpridos. No próximo afrouxamento, quem estiver “limpo” toma a frente na fila.
O ciclo vai virar. Até lá, sobreviver bem é vencer. E, neste momento, ter dinheiro em mãos, quando quase ninguém tem, vale mais do que aumentar área sem fôlego.