Miguel Vaz é um homem bem-humorado. Acostumado à vida pública, o prefeito de Lucas do Rio Verde — um dos mais ricos do Brasil — venceu as eleições no ano passado já no primeiro turno. Nem o patrimônio, nem a vitória recente, entretanto, causaram alguma soberba por ali.
Em pouco mais de uma hora de conversa, o prefeito falou, animado, a respeito das conquistas recentes do município e do que espera para o futuro da cidade pela qual é responsável (ao menos, enquanto gestor público). Vê espaço para o etanol de milho avançar, ao mesmo tempo em que considera possibilidades envolvendo a cadeia de transformação do algodão e da pecuária.
“O fio pode sair daqui, ser exportado ou ir para algum mercado de consumo nacional. Essa é uma das fases. A outra é depois do fio, partir para a tecelagem, a tinturaria, depois a confecção. Já tive a oportunidade de visitar alguns polos têxteis e é impressionante o que se gera de oportunidade”, afirmou o prefeito, em entrevista ao The AgriBiz concedida em seu gabinete.
O foco é continuar fazendo de Lucas do Rio Verde um município de destaque no Centro-Oeste. Segundo o Ranking de Competitividade dos Municípios, realizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP), com base em dados do IBGE, a cidade ficou em segundo lugar, no Mato Grosso, atrás apenas da capital, e em sexto lugar no Centro-Oeste.
Por consequência, Vaz — filiado ao partido Republicanos — vê a possibilidade de a cidade, que reúne hoje cerca de 95 mil habitantes, continuar crescendo. Não à toa, a cidade está estruturando um programa de financiamento à habitação, uma confluência de recursos federais do Minha Casa, Minha Vida, do governo estadual e do caixa do município.
“Nós temos que gerar riqueza para quem é daqui, mas também para muitos brasileiros que vêm em busca de oportunidade para cá. A maioria delas acha muito bom, apesar de o custo de vida ser um pouco alto ainda, mas é isso que é nosso trabalho da política pública. A gente faz com que esses projetos deem a eles o sentimento de pertencimento”, afirma Vaz.
Nesse caminho, o prefeito não se esquiva de questões relacionadas ao lazer na cidade — uma ausência notada com frequência por quem mora na região, enquanto os demais serviços públicos são mais avaliados.
“A população cobra o shopping mesmo. Aparece nas nossas pesquisas. Mas acredito que em breve teremos investidores que vão enxergar esse potencial. Já recebi pelo menos dois empreendedores, entendendo isso como algo muito próximo de acontecer. Em breve”, diz.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
The AgriBiz: Ainda é muito recente essa atração da indústria de etanol de milho para cá, mas que outras oportunidades o sr. vê para fomentar a economia do estado?
Miguel Vaz: O algodão ganhou um espaço muito grande aqui na região, não só na cidade, por conta da grande capacidade de produção. Também por genética adaptada para cá, com um papel muito forte de pesquisa. Aproximadamente dois terços vão para a exportação, um terço fica aqui no Brasil.
Eu vejo que já tem polos, no Mato Grosso, de fiação de algodão, ou seja, transformar a pluma em fio. Eu, como gestor público, tenho inclusive provocado bastante isso, né? Para que empresas venham e se estabeleçam aqui para transformar a pluma em fio.
O sr. vê algum projeto para sair em curtíssimo prazo? Existem conversas em andamento?
Não temos nada próximo de fechar, por enquanto. Em andamento, existem alguns projetos em análise. Já existem outros municípios aqui no estado que já têm mais de uma indústria instalada, então vejo esse ponto como bastante interessante. Deve chamar a atenção do mercado, de quem tem interesse de olhar para esse setor, investir. A região aqui produz muito, é muito fácil de ter a matéria-prima.
E obviamente que aquele carocinho do algodão que separou da pluma, ele transforma, vai para a extração, pode ter também a oportunidade de extrair óleo de caroço de algodão, que também pode virar óleo comestível ou para produção de biocombustível.
Além do algodão, que outras cadeias o sr. vê como promissoras para a região?
Penso que uma oportunidade de transformação está na pecuária. O estado tem o maior rebanho do Brasil, com 36 milhões de cabeças. Veja, na mesma medida que a soja vai transformando áreas de pastagem em agricultura, os rebanhos aumentam, porque há muitos projetos de integração entre lavoura e pecuária.
A industrialização de carne bovina eu penso que seja outra indústria capaz de crescer no estado. O DDG melhorou muito a qualidade da carne, tem muito espaço para crescer. Claro, tem outros setores que também podem se expandir, mas essas são as oportunidades que vejo que podem ser muito bem aproveitadas aqui.
Falando um pouco da porteira para dentro, a cadeia de grãos como um todo está passando por um momento mais delicado em rentabilidade. Como o sr. vê esse momento e como acredita que essa industrialização conversa com isso?
Eu estou aqui já há 38 anos, acompanhei o desenvolvimento dessa cidade desde o início. Não acredito que seja a última crise pela qual vamos passar no setor. E vamos precisar ter inteligência de passar por isso, aprender um pouco mais e tocar a vida. É um momento passageiro, daqui a pouco está tudo bem e normal.
Mas a agregação de valor é um fator chave nesse momento. Traz uma condição de maior estabilidade a nível regional, concentrando o consumo aqui. Se você ficasse sempre ligado somente à exportação, o frete continuaria sendo um peso pesado. Quanto mais valor você agrega aqui, o valor do frete é atribuído àquele produto transformado.
Escoar toda essa produção ainda é um desafio no Brasil, claro, com a logística sempre no topo das preocupações. Como o sr. avalia os movimentos recentes na região?
Nós temos hoje em andamento a duplicação da BR-163, uma obra super importante do governo do estado. Dentro desse projeto de duplicação, nós, o município, solicitamos à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) um contorno rodoviário. O projeto está praticamente pronto, deve ir para licitação no ano que vem.
Basicamente, ele realoca a rodovia e coloca mais próxima de onde tem um grande complexo industrial de geração de cargas, seja de carnes, de biocombustíveis, de grãos, de farelos, de DDGs. Com isso, vamos criar um zoneamento industrial e empresarial no entorno da rodovia.
E ainda tem as ferrovias para vir, conversas sobre a FMT, Fico-Fiol…
Em relação à FMT, nós inclusive recebemos aqui a diretoria institucional da empresa justamente pra começar a iniciar os trabalhos. Vamos alocar um terminal que vai levar grãos, contêiner de carne, algodão estufado, biocombustível.
Também temos prevista a concessão da Fico-Fiol, que eu espero que aconteça, me parece que está prevista para março do ano que vem, e que puxa o braço da Fico, de Água Boa, até Lucas do Rio Verde, que é uma extensão de 500 quilômetros aproximadamente, e que fará já aqui um entroncamento ferroviário.
Com o município crescendo, e ganhando ainda mais com essas novas rotas de escoamento, cresce também a necessidade de moradia aqui. Como o município tem olhado para isso?
O aluguel em Lucas do Rio Verde já é alto, por isso que nós, como gestores públicos, criamos um programa habitacional. O programa deve criar uma política pública permanente de investimento em habitação. Com isso, nós criamos um fundo municipal.
Como isso funciona?
O fundo adquire áreas urbanas, algumas previamente identificadas, possíveis e viáveis, e coloca para as construtoras construírem os projetos habitacionais dentro da política do governo federal, ou seja, dentro do Minha Casa, Minha Vida. O governo do estado também se sensibilizou com essa questão e criou hoje um programa chamado Ser Família Habitação.
O que o município faz? Eu tenho uma área, faço um chamamento público e digo, por exemplo, que quero construir duas mil casas, que é o que está em construção agora. A prefeitura coloca a área à disposição, o estado do Mato Grosso faz uma parceria com o município e fiz, por exemplo, para cada CPF aprovado, o estado faz um aporte de R$ 15 mil, R$ 20 mil…
E para que esse aporte?
Para que o proponente tenha dinheiro da entrada, que normalmente está em R$ 30 mil, R$ 40 mil. Percebemos que nós precisamos aliviar o valor da entrada para esse proponente.
Hoje, num exemplo de uma entrada de R$ 35 mil, para ficar fácil de entender, o Estado coloca, por exemplo, R$ 20 mil. Falta R$ 15 mil, o trabalhador pode usar o dinheiro do FGTS e o município faz ainda mais um aporte para ajudar a pagar a entrada.
Com isso, a prefeitura dá o apoio, o Estado também, o governo federal também. E como eu alimento esse fundo? Bom, quando destino a área para a construtora, ela devolve para o fundo municipal o valor do terreno, que é incluído no valor total do financiamento.
Além de saúde, existe uma demanda clara por educação. Como o município tem investido nisso?
Nós temos aqui o cuidado de construir escolas que sejam atrativas, com professores qualificados. Temos 24 unidades de escolas aqui no município, não temos déficit de vagas de creche, ainda que uma parte delas seja por meio período.
Na última avaliação, no ano passado, das dez melhores escolas do Mato Grosso, quatro delas foram de Lucas do Rio Verde. A número um, inclusive, é daqui. E o aluno número um também.
E o ensino superior?
Nós conseguimos viabilizar recentemente a criação da Universidade Federal do Mato Grosso aqui. Então em 2026 teremos um campus com dois cursos de última geração, Engenharia de Software e Inteligência Artificial. O Instituto Federal de Sorriso já tem cursos como agronomia e veterinária, então, para não conflitar, queríamos uma oferta interessante, que conversasse com as necessidades do agronegócio.
Como o sr. vê o desenvolvimento da região daqui para frente?
Eu sou muito otimista, mas é um otimismo que nasce dos meus 38 anos aqui. Eu vi o que aconteceu e superou minhas expectativas. Acredito que a velocidade de crescimento vai ser maior e o Mato Grosso pode chegar lá com uma capacidade ainda maior de gerar riqueza.
O Mato Grosso pode dobrar de tamanho em produção agrícola, sem abertura de área. Nós temos 91 milhões de hectares, com 12,7 milhões destinados a agricultura, e ainda 22 milhões de hectares destinados à pastagem. Isso vai virar agricultura no modelo de integração com a pecuária, vai aumentar a soja, vai aumentar o rebanho bovino, o milho, os biocombustíveis, vai gerar emprego.