
Uma das grandes dificuldades para a indústria de alimentos é mensurar as emissões que acontecem fora de suas próprias operações, como na produção agrícola e transporte de mercadorias — o chamado escopo 3.
De olho nisso, a Embrapa desenvolveu, em parceria com a Bayer, ferramentas para estimar com dados primários as emissões de gases de efeito estufa nas operações agrícolas, como a Footprint PRO Carbono, que podem trazer, enfim, uma solução em larga escala para esse problema.
A multinacional alemã já testou e validou com parceiros, em grande escala, uma solução que permite às empresas, compradoras de commodities agrícolas, obterem informações detalhadas sobre como foi produzida a soja que está comprando, incluindo o cálculo de emissões de gases de efeito estufa — a partir de dados primários de cada agricultor.
Agora, o serviço já foi expandido para outras culturas, como milho e algodão.
Uma indústria de alimentos, por exemplo, pode utilizar relatórios elaborados pela Bayer para reportar suas emissões de escopo 3 advindas de operações agrícolas.
Na prática, o comprador da commodity contrata a Bayer para calcular as emissões da produção de grãos de determinada região (soja, milho ou algodão). A companhia, então, procura agricultores cadastrados em suas plataformas que atendam às características demandadas pelo comprador.
Depois, faz a conexão entre os dois, realiza uma análise socioambiental de acordo com os pré-requisitos da empresa contratante, quantifica as emissões, garante a rastreabilidade e práticas utilizadas na produção do grão, sugere práticas de manejo que vão ajudar o agricultor a diminuir suas emissões e aumentar a produtividade e, no final, apresenta um relatório à indústria.
“Nas áreas participantes dos nossos programas, a pegada calculada da soja utilizando dados primários, é mais de 50% menor do que a média brasileira contida em bases internacionais de referência, isso impacta diretamente o cálculo do escopo 3 de empresas que tem o agro em sua cadeia”, afirma Adriano Anselmi, líder técnico da área de carbono na Bayer.
Segundo o executivo, um exemplo é um programa feito com uma grande trading na Argentina. “Essa trading tinha uma demanda de calcular 1 milhão de hectares de soja. A Bayer recrutou agricultores, fez uma validação socioambiental desses clientes seguindo as diretrizes da trader, coletou dados necessários, e calculou a pegada de carbono deles. Neste programa, houve uma contrapartida de reconhecimento da própria indústria para o agricultor fazer esse processo”, contou Anselmi. “Para o ano de 2025, a mesma trader expandiu a contratação do serviço para mais de dois milhões de hectares de soja na Argentina”.
O uso de ferramentas de agricultura digital é um grande impulsionador para escalar o serviço de cálculo da pegada de carbono das commodities agrícolas.
“Essas tecnologias facilitam a obtenção de dados primários, reduzindo em até 70% a necessidade de coleta manual de dados”, reforça o executivo. “Como resultado, há uma significativa diminuição de custos e, sobretudo, avanços em qualidade e transparência na gestão de dados, elemento essencial para o funcionamento eficiente de qualquer mercado de carbono” diz Anselmi.
Na visão da Bayer, a demanda por esse tipo de serviço vai continuar crescendo, à medida que as empresas têm reforçado seus compromissos com a redução de suas emissões.
O mercado de carbono
No longo prazo, as ferramentas recém-concluídas pela Embrapa e pela Bayer podem aproximar os agricultores do mercado de carbono.
“No caso de uma indústria, a emissão está concentrada, é fácil quantificar. Quando você olha para a agricultura, é muito mais difuso”, resume Luis Gustavo Barioni, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital.
Barioni também lembra que o aumento da quantidade e da qualidade das informações disponíveis sobre emissões durante o processo produtivo atende não só a uma demanda do setor privado, mas também de governos — como no caso do Green Deal Europeu.
“Os europeus exigem que os produtores adotem práticas regenerativas não só no sentido de mitigação. Mas eles enxergam o solo como um ativo para a sociedade e para a manutenção da segurança alimentar. E os produtores são os guardiões desses ativos. A legislação está se formando neste contexto”, acrescentou o pesquisador da Embrapa, que lidera o desenvolvimento do modelo preditivo de carbono no solo, o PROCS, junto a Bayer.
O próximo passo
Os avanços foram muitos até aqui, mas é o primeiro passo. Uma das prioridades, agora, será estimular o produtor a manter e ampliar as práticas regenerativas.
“O primeiro pilar dessa jornada era científico, e demos um grande passo com a construção de ferramentas que refletem a realidade da agricultura brasileira, como a Footprint PRO Carbono e o sistema MRV, Conecta PRO Carbono, que permite o monitoramento, a mensuração, reporte e a possibilidade de verificação por terceira parte. Agora, é um trabalho de médio prazo para garantir a consistência dessas mudanças e ajudar o agricultor na intensificação de práticas de agricultura regenerativa que contribuam para a redução das emissões de gases de efeito estufa”, afirma Anselmi.
Nessa linha, a Bayer está desenvolvendo uma ferramenta para ajudar o agricultor a entender o diagnóstico atual de cada talhão da sua fazenda, indicar quais práticas ele deve adotar tanto para melhorar a produtividade, garantir a resiliência de seus campos, e reduzir as emissões de carbono na produção — que deve começar a ser disponibilizado aos agricultores em 2026.