Exportações

No xadrez da carne, Brasil continua abastecendo os EUA — por terceiros

Dados sugerem que países menos afetados pelo tarifaço, como Paraguai e Argentina, estejam importando mais do Brasil para exportar mais aos EUA

Carne de qualidade

Costumo dizer que exportações de commodities são como uma equação de soma zero, visto que o que há disponível para a exportação se origina dos estoques disponíveis no momento.

Deixar de vender para determinado mercado (por motivos tarifários, logísticos ou geopolíticos, por exemplo) significa que muito possivelmente o produto mudará de cliente, mas ainda assim será comercializado.

No caso da carne bovina, essa afirmação é ainda mais facilmente provada, dado que os movimentos de expansão e encolhimento produtivos dependem do ciclo pecuário, cuja virada para as fases de alta e baixa levam entre dois e quatro anos.

Tomemos o exemplo dos Estados Unidos. Nos últimos anos, o que se observou naquele país foi a liquidação de matrizes que compunham o rebanho bovino. A taxa de abate de vacas atingiu 20% ao longo de três anos seguidos (2021, 2022 e 2023) ante uma média histórica de 18%.

O resultado não poderia ser diferente: em 2025, devido à redução de ventres livres para reprodução, a produção norte-americana de carne bovina deverá atingir seu menor patamar desde 2017. Mas isso não é tudo.

Quando comparada à demanda interna, o vácuo produtivo fica ainda mais escancarado, pois o consumo doméstico deverá atingir a sua máxima histórica recente, levando a relação produção/consumo ao menor patamar desde 2005.

Fonte: USDA/Agrifatto

Ou seja, como exposto neste espaço em minha última coluna, o Brasil oferece a carne mais barata do mundo, o que significa que a ausência dos Estados Unidos como comprador brasileiro deveria ser substituída por outros mercados rapidamente.

Foi o que aconteceu, mas não apenas através da ampliação de novos mercados que se abriram, como Vietnã, Indonésia e Filipinas. Também a partir de uma logística enxadrística que leva os países menos afetados pelo tarifaço de Trump a “triangular” e arbitrar carne para um mercado cuja necessidade de importação é patente.

É importante ressaltar que o termo “triangulação” ou “arbitragem” pode induzir o leitor a crer que isso configure algum tipo de prática ilegal, mas o que a permite ser realizada sob o ponto de vista legal é o fluxo de importações ser destinado ao mercado doméstico de determinado país enquanto a produção local seria destinada ao mercado norte-americano, por exemplo. Nenhuma regra mercantil seria desrespeitada até aqui, portanto.

Indícios de arbitragem

Um exemplo dessa prática possível é o Paraguai, cuja alíquota incidente do tarifaço ficou em 10%, uma vantagem competitiva se observada do ponto de vista comparativo com os 40% aos quais o Brasil foi submetido desde agosto.

As exportações de carne bovina brasileira para o Paraguai subiram 55% no acumulado de 2025 contra o mesmo período de 2024. Mas é interessante observar que apenas entre julho e agosto, esse volume saltou impressionantemente 178%.

Enquanto isso, as importações norte-americanas de carne paraguaia acumuladas em 2025 subiram 75% em relação ao mesmo intervalo no ano passado. Só em agosto, a alta foi de 49%.

O mesmo movimento foi percebido em outros países. A Argentina, por exemplo, tradicional exportadora global de carne bovina, ampliou suas importações do Brasil de 184,75 toneladas em 2024 para 7.918,3 mil toneladas em 2025, um crescimento impressionante de 4.185%.

O México, por sua vez, saltou de 27,16 para 81,05 mil toneladas, crescimento de 198%.

Até mesmo a Austrália, principal fornecedora de carne dos Estados Unidos e um dos maiores exportadores globais do produto, aumentou em 73,4% suas importações brasileiras.

É o Brasil como principal promotor do churrasco global, oferecendo recorde produtivo de carne bovina justamente quando o mundo sente a redução dos estoques.

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Lygia Pimentel, colunista de The AgriBiz, é médica veterinária, economista e diretora executiva da Agrifatto.