
ILHÉUS (BA) – No sul da Bahia, os produtores de cacau e as maiores indústrias do setor não estão falando a mesma língua.
A divergência mora nos preços praticados nas negociações. De um lado, os cacauicultores se queixam do que veem como uma perda com relação à cotação internacional da commodity na bolsa de Nova York.
De outro, a associação que representa o setor vê flutuações normais de mercado e uma influência da instabilidade geopolítica — e lembra que o valor pago aos produtores já foi superior à referência global.
Enquanto o desentendimento perdura, em Ilhéus, principal polo produtor no Brasil, a reclamação está na boca do povo.
Literalmente: mesmo nos mais fugazes bate-papos, até taxistas, garçons e recepcionistas se queixam dos valores pagos em tempos recentes pelas moageiras, como são chamadas as indústrias que torram e moem as amêndoas do cacau para produzir o licor que é a base para a fabricação do chocolate.
A reclamação, que monopolizou conversas de corredores na primeira edição da Expocacau, promovida na semana semana passada na cidade baiana, é dirigida às três gigantes atuantes na região e no País — a Barry Callebaut, a Cargill e a Olam Food Ingredients (OFI), que respondem por 95% do cacau processado no Brasil.
Segundo os produtores, as empresas estariam praticando um desconto entre 5% e 15% com relação à cotação em Nova York.
É uma diferença relevante para os cerca de 41 mil cacauicultores da região — 70% dos quais são pequenos produtores — em um contexto de margens pressionadas e uma luta por produtividade contra obstáculos como a infestação de vassoura-de-bruxa, a pobreza de nutrientes no solo local e a baixa mecanização.
Os produtores pediram para falar em sigilo, com receio de terem problemas na venda do cacau. Em um intervalo entre palestras na feira, um deles afirmou: “A sustentabilidade que o mercado prega e visa é só ambiental, às vezes social, mas quase nunca financeira. Na minha visão, precisaria contemplar os três”.
Diferencial já foi positivo
A reclamação chegou à ExpoCacau — no primeiro dia do evento, duas trabalhadoras posicionadas no portão de acesso principal distribuíam aos visitantes um panfleto apócrifo denunciando um desconto nos valores pagos pelas “grandes moageiras”.
As três empresas informaram que não comentam sobre abordagem comercial, e remeteram as perguntas à AIPC (Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau), que representa o setor.
Anna Paula Losi, presidente executiva da associação, ressaltou que cada moageira tem sua própria análise de risco e estratégia comercial, em defesa da concorrência.
Ela confirma a existência de uma oscilação de preços, mas prefere chamá-la de “diferencial”. A escolha da palavra não é à toa: para a AIPC, os mesmos produtores que hoje reclamam já estiveram do outro lado, recebendo mais que a cotação internacional em momentos em que as condições de mercado eram outras.
“Existe um diferencial que pode ser positivo ou negativo. No histórico, em 70% do tempo ele foi positivo. Mas há momentos em que essa conta se inverte, por causa de oscilações naturais de mercado”, afirma Losi.
Essa é uma relação dinâmica, ela diz. “Há dias em que a venda tem desconto, e outros dias em que tem um valor superior. Quando você olha um período maior, como um trimestre ou semestre, o preço médio fica muito próximo da cotação na bolsa”.
Preço alto abala demanda por chocolate
O principal gerador de estresse e volatilidade neste momento, diz Losi, é a retração na demanda do consumidor por chocolate, puxada pela chegada às gôndolas dos preços históricos do cacau. A commodity custa hoje cerca de US$ 7,5 mil a tonelada em Nova York, mas bateu no recorde de US$ 12,6 mil em dezembro passado.
Como as moageiras trabalham com estoques, apenas nos últimos meses começaram a passar adiante a alta do final de 2024 às chocolateiras (que transformam o licor de cacau em chocolate), explica a presidente executiva da AIPC.
E isso, segundo a entidade, resultou na diminuição de 14% no volume de moagem no primeiro semestre na comparação com 2024, que já havia sido um ano ruim, chegando ao pior nível em nove anos.
“Qual o equilíbrio ideal para um preço que seja rentável, mas não corroa a demanda? Essa é uma conta delicada.”
Além disso, diz Losi, a cotação é uma baliza, mas precisa ser conjugada com outros fatores. Por exemplo, logística, diferenças entre a tributação nos Estados, a qualidade das amêndoas nesta safra e o equilíbrio entre oferta e demanda — em meio a uma crise de oferta no Brasil e nos maiores produtores, como Costa do Marfim e Gana.
“A indústria precisa considerar qual o risco de conseguir vender por um preço A ou B no futuro”, questiona.
Segundo ela, o produtor também tem o que ponderar. “Na teoria, ele tem a opção de vender ou não. Mas qual o custo da armazenagem, incluindo segurança privada? Ou qual o risco de as chuvas estragarem a produção caso não tenha acesso a armazém? E se for exportar, tem o frete, e precisa encontrar comprador pagando o preço que se paga aqui, o que não é fácil, mesmo com o diferencial.”
Losi lembra ainda que o tarifaço promovido pelos Estados Unidos, com uma sobretaxa de 50% para produtos brasileiros, pesa sobre os derivados de cacau, que não estão entre os produtos isentos.
Foco na produtividade
Alinhada com o discurso da CocoaAction, a entidade global que, no Brasil, reúne oito empresas do setor, entre moageiras, tradings e chocolateiras, e que promoveu a Expocacau, a AIPC defende que a principal discussão do momento é a produtividade, e não o preço.
“Temos assuntos mais importantes, como ampliar o barter (a troca de defensivos, fertilizantes e até maquinário por produção, sem desembolso financeiro). E convencer o governo a dar educação em tempo integral nas escolas públicas da região, para liberar as esposas para a lavoura e resolver parte da escassez de mão de obra.”
Outra prioridade, para a AIPC, é incentivar os produtores na informalidade a se bancarizarem e terem fluxo de caixa, de forma que não precisem vender para intermediários que pagam à vista, mas consomem entre 15% e 30% do lucro. “O cooperativismo pode ser a solução. O caminho certo é o diálogo”, conclui.
* O repórter viajou a Ilhéus a convite da Yara.