
URUÇUCA, ILHÉUS (BA) – Faz dez anos que Rodrigo Costa de Araújo, 38, teve um estalo: após uma vida alheio à tradição da família e preferindo a cidade, onde estudou administração de empresas, ele decidiu comprar uma fazenda e produzir cacau.
A terra que escolheu foi a Fazenda Liberdade, em Uruçuca, a 40 km de Ilhéus, onde vem se destacando com uma produtividade maior que a do País.
Araújo é da terceira geração de uma família de cacauicultores. Em 2029, vai fazer 50 anos que o pai dele, Josely Esposito, 65, herdou da sogra uma fazenda em Itacaré.
Cerca de 70 km separam uma propriedade da outra no sul da Bahia, nos entornos de Ilhéus, a “capital brasileira do cacau” — título que hoje disputa com Belém (PA).
No campo, são cerca de 41 mil produtores, de um total de 93 mil no País, dos quais 60% são pequenos, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária. Dos 620 mil hectares de cacauicultura no Brasil, 400 mil estão na Bahia.
Ali, impera um contraste. De um lado, alguns poucos produtores obtêm 3.000 kg de cacau por hectare, um patamar de excelência. Na maioria, são fazendas maiores, com gestão empresarial e recursos ainda raros na região, como irrigação e maquinário.
De outro lado, pequenas propriedades sem manejo adequado, tomadas pela vassoura-de-bruxa. Causada por um fungo, a doença dizimou lavouras no País a partir de 1989, em uma das maiores tragédias da história da agricultura brasileira.
Na época, o Brasil produzia 400 mil toneladas de cacau por ano, 25% da oferta global. O saldo caiu para 90 mil toneladas em 1990, e o setor ainda luta para retomar os patamares pré-doença — a participação no mercado global hoje é abaixo de 5%.
A luta fitossanitária é o maior desafio no dia a dia. Além da remoção manual dos fungos dos galhos, Araújo usa fungicidas e cria zonas de contenção. “Mas enxugo gelo, pois meu vizinho não faz o manejo”, lamenta.
Produtores e especialistas monitoram com atenção a evolução da monilíase do cacau, outra doença provocada por um fungo, mas ainda mais grave, pois destrói o fruto. A ameaça inspira uma parceria da ApexBrasil com o Instituto Arapyaú para disseminar práticas de manejo.
Nessa toada, a produção resiste a crescer. Em 2024, o Brasil processou 179.431 mil toneladas de cacau, uma queda de 18,5% frente a 2023.
Os dados são da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), que representa as maiores moageiras no País: Barry Callebaut, Cargill e Olam Food Ingredients (OFI), responsáveis por 95% do processamento de cacau.
No primeiro semestre, o saldo foi de mais queda, de 14,4% na base anual, somando 97.904 toneladas — é a menor quantidade em nove anos.
Essa problemática na oferta, que se repete em outros países produtores, como Costa do Marfim e Gana, segura os preços em níveis altos. O cacau custa hoje cerca de US$ 7,5 mil a tonelada na bolsa de Nova York, a referência internacional para a commodity.
É menos que o recorde de US$ 12,6 mil de dezembro passado, mas ainda é bem mais que o patamar entre US$ 2 mil e US$ 3 mil no qual foi negociado entre 2015 e 2023, quando começou um histórico rally puxado pela iminência de escassez global.
Exceção da exceção
Entre as ilhas de excelência e a regra geral empobrecida, Araújo, a família e os sete funcionários se equilibram como podem. “A realidade da maioria é de extrativismo de subsistência. Eu sou a exceção da exceção”, diz.
Seus 35 hectares produzem no sistema cabruca, no qual os cacaueiros são plantados sob a sombra de árvores nativas da Mata Atlântica, evitando desmatamento.
Apesar da dimensão diminuta, ele tem números de produtor grande. Já chegou a fazer 1.950 kg por hectare — na última safra, ficou pouco abaixo de 1.500 kg. A média no País é de 380 kg por hectare. Na Bahia, fica entre 200 kg e 300 kg por hectare.
O diferencial, diz, é “a mente aberta para a inovação”. Na busca por melhores práticas, ele usa variedades geneticamente melhoradas e mantém constante análise do solo para otimizar o uso de nutrientes, no que conta com assistência da Yara.
Os produtos da empresa norueguesa entraram em cena na safra passada, após um teste mostrar produtividade melhor, frutos mais saudáveis e amêndoas maiores.
Hoje, ele aplica em toda a fazenda um produto de ponta para a cacauicultura, o fertilizante especial YaraMila COMPLEX, lançado em 2023 — produtores elogiam a facilidade de aplicação, sem necessidade de limpar as folhas que caem das árvores.
Araújo planeja verticalizar o negócio. Ele já começou a produzir as próprias mudas em um viveiro recém-instalado, com a meta de gerar até 30 mil hastes por mês para enxertia. E tem planos para abrir uma marca própria de chocolates especiais.
Associação e empresas mobilizadas
Como fazer do exemplo da Fazenda Liberdade uma regra? A pergunta mobiliza a unidade brasileira do movimento-associação global CocoaAction.
No Brasil desde 2018, a entidade congrega vários pontos da cadeia — traders, moageiras e chocolateiras — em um esforço para elevar a produtividade. E reuniu o mercado nesta semana no Centro de Convenções de Ilhéus, na primeira edição da feira Expocacau, que vai até quinta-feira (28).
O objetivo do evento é “subir a régua”, explica Pedro Ronca, diretor da entidade. “A cadeia hoje tem produtividade média muito baixa. Mas o produtor que faz o bê-á-bá básico de boas práticas produz mil quilos por hectare”, afirma.
Segundo ele, a necessidade de adotar tecnologias é ainda mais imperativa diante do passivo de anos de crise e falta de investimento e do cenário de falta de mão de obra.
Além da CocoaAction, os principais players têm seus próprios programas para qualificar a produção. A Yara, por exemplo, anunciou uma parceria com a Barry Callebaut para dar assistência aos produtores da fabricante suíço-belga.
A ideia é disseminar ferramentas digitais de agricultura de precisão e nutrientes de alta tecnologia — já foram mais de 2 mil recomendações. As medidas vêm a calhar em um contexto de severa deficiência de nutrientes: segundo as empresas, 78% dos solos baianos estão com níveis de fósforo abaixo do ideal, e 91% têm carência de potássio.
E, assim como com outras moageiras, na relação com a Barry os produtores podem fazer barter, trocando produção por insumos e evitando desembolsos.
A Cargill lançou em 2012 o programa de assistência e barter Cocoa Promise, que neste ano chegou a 12 mil produtores. A OFI também tem programas – um deles com a Nestlé, focado em agroflorestamento no Brasil, na Nigéria e na Costa do Marfim.
Outras chocolateiras, como a Mars (das marcas M&M’s, Snickers e Twix) e a brasileira Dengo, têm suas próprias iniciativas para elevar a produtividade do cacau baiano.
E o crédito, que, segundo Ronca, escasseou após a vassoura-de-bruxa, começa a voltar. O Banco do Brasil aproveitou o evento para assinar R$ 1 milhão em contratos com 18 produtores da Coopermata, a cooperativa de agricultores da região.
As perspectivas são boas para o Brasil, segundo um relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) divulgado nesta semana. Nele, a analista Carolina Castro diz que “o País está aprimorando a qualidade e a rastreabilidade, e, no futuro, pode atender à demanda interna de forma mais eficaz, expandir exportações e recuperar a posição entre os líderes globais – um resultado doce”.
* O repórter viajou a convite da Yara.