
O auge do stress para a indústria de Fiagros já ficou para trás, mas o investidor de varejo segue ressabiado — o sentimento é expresso nos fundos listados, quase todos ainda descontados em relação à cota patrimonial.
Para reverter esse cenário e atender a um investidor que gosta de previsibilidade e dividendos recorrentes (o famoso pinga-pinga), os gestores estão construindo mecanismos e adaptando a estratégia para se adaptar à demanda.
“A gente sabe que o público em geral é avesso ao risco. Muita gente entrou achando que seria só mil maravilhas, que só teria upside, e de repente foi surpreendido e acabou queimando o produto. Mas não é o produto, é o apetite a risco, a forma como foi vendido”, argumentou Paulo Fleury, gestor da EB Capital, durante o XP Agro Insights, realizado nesta manhã.
Para o gestor, uma das formas de mitigar esse tipo de percepção em novas estruturas está relacionado com a divisão de Fiagros em tranches, com cotas sênior e subordinadas adaptadas ao tipo de risco que cada investidor quer correr.
“Se você pensa em um produto hipotético com 20% de subordinação, existe uma gordura muito grande até chegar ao investidor que está na cota sênior. E mesmo que exista alguma perda, que não chegue nele, a cota dele não varia. Quem carrega a volatilidade é o investidor da cota subordinada”, explicou.
O retorno que as variadas estratégias dentro do agronegócio podem trazer também é um chamariz para o setor. Nas teses ligadas a terras, destacou Paulo Mesquita, da Riza, o retorno pode ser de 25% a 30% ao ano, considerando a recuperação de pastagens degradadas.
“Isso num nível de risco bastante baixo. A evolução dos Fiagros vai passar por um momento de bastante inovação, tem muito produto diferente vindo pro mercado e que são oportunidades para o investidor pessoa física”, destacou, em painel no mesmo evento.
E quem veio primeiro?
As movimentações para reconquistar o investidor de varejo não estão restritas somente aos (eventuais) novos fundos que virão a mercado. Quem estreou nesse mercado logo após o início da regulamentação, em 2021, também está buscando o seu quinhão de previsibilidade.
Na JGP, uma das estratégias adotadas foi trazer um guidance para o próximo ano fiscal, de R$ 1,00 a R$ 1,30, de olho em adiantar ao investidor o que ele deve receber daqui para frente.
É um guidance que reflete tanto mudanças de gestão — de olho em ativos menos arriscados — quanto a busca por uma formação de reservas em um momento ainda incerto dentro do agronegócio.
Não é uma estratégia isolada, com outros fundos também olhando para o portfólio de ativos e, principalmente, para a formação dessa “gordura” maior para queimar. Um ponto necessário especialmente pela forma como os Fiagros reportam resultados (pelo regime de competência, e não de caixa, como os FIIs).
Nessa lógica, quando um ativo dentro da carteira dá problema e tem uma provisão de, digamos, 50% daquele crédito, o fundo tem de deduzir esse desconto do próprio lucro até chegar ao valor “original” da dívida.
Isso faz com que os fundos, nesse processo, reportem prejuízo — o que impede a distribuição de dividendos. Uma reserva de lucro, nesse caso, acelera o caminho de volta à distribuição de proventos.
No RURA11, a reserva de lucros construída ao longo deste ano chegou a R$ 16 milhões, ou R$ 0,10 por cota — e segue aumentando. A ideia é que a reserva seja móvel, variando conforme as condições macroeconômicas e do próprio setor (momentos mais críticos significam reserva maior e menos críticos, reserva menor).
“Analisa uma carteira com as garantias que a gente tem. Vamos supor que, com uma RJ, eu precise de 30% de provisão para um determinado ativo. Nessa lógica, se eu tenho R$ 10 milhões de reserva, eu aguento um problema de R$ 30 milhões, R$ 35 milhões. Acho que essa análise vai começar a entrar mais na conta”, explica Tadeu Barreto, gestor do Fiagro da Itaú Asset.
Essa reserva móvel pode ser observada no maior fundo da indústria, o KNCA11, da Kinea, que possui R$ 2,1 bilhões sob gestão. O fundo passou de um nível de reserva de R$ 0,84 por cota em dezembro para R$ 1,31 em junho. Em outubro de 2023, a reserva era de pouco mais de R$ 0,05 por cota. Coincidência ou não, o fundo hoje é negociado com um desconto de apenas 8% sobre o valor patrimonial, um dos menores entre os fundos listados.
Outro fundo pouco descontado é o CRAA11, da Sparta, negociado com um desconto de 7% sobre o valor patrimonial de R$ 241 milhões. Com uma estratégia high grade, o fundo também conseguiu manter a distribuição de dividendos equalizada ao longo do ano passado — mesmo assim, mantém uma reserva de R$ 0,79 por cota.
“O que maximiza a cota convergir para o valor patrimonial é pagar dividendos consistentes e num patamar interessante para o investidor. Gerenciar essa reserva está no nosso radar desde o ano passado”, explica Márcio Takaya, gestor da Sparta.
Na XP, uma estratégia de recomposição de reservas também foi colocada em marcha para o XPCA11 recentemente, com o fundo acumulando uma reserva de R$ 0,07 por cota.
O fundo, que possui R$ 437 milhões, já fazia algo similar no veículo cetipado (o XPAG), que sofreu bem menos na distribuição de proventos no ano passado, conseguindo pagar mais rendimentos especialmente no fim do ano.
Na Capitânia, que tem o CPTR11 — um fundo com PL de R$ 195 milhões —, o nível de reservas também subiu. Era de R$ 0,05 em fevereiro deste ano e, em junho, chegou a R$ 0,11. No AGRX11, da Éxes, o nível de reserva saiu de R$ 0,04 em novembro para R$ 0,29 em junho.
“Para o banqueiro, a sazonalidade do setor é muito natural, não existe uma preocupação clara em explicar por que um ciclo foi positivo e outro, negativo. O mercado de capitais, por outro lado, quer mais estabilidade, e a reserva é uma excelente maneira de fazer isso”, destaca Artur Carneiro, sócio da Éxes, que possui R$ 187 milhões em seu Fiagro listado.