
Recentemente, tentei a um amigo (que não é do agro) o tamanho do desafio que o setor tem pela frente. É um tema cheio de nuances, e no meu limitado poder de síntese… fracassei feio. São muitos fatores interligados, alguns mais relevantes que outros. Quando percebi que já tinha perdido a atenção dele, combinamos de mudar de assunto, e prometi mandar depois a versão por escrito.
O físico Richard Feynman dizia que, se você não consegue explicar algo de forma simples, é porque ainda não entendeu direito. Isso me cutucou a tentar condensar um assunto que, acho, entendo razoavelmente bem. E, quando terminei de escrever, achei que valia como artigo. Talvez você até use para explicar os desafios do nosso tempo para algum curioso do agro.
A raiz do problema é que o ponto de equilíbrio da soja estacionou em 60 sacas por hectare. Antes, a produtividade necessária era de 45 sacas por hectare. Ou seja: abaixo de 60, é prejuízo; do 61º em diante, lucro.
Esse salto aconteceu porque o preço da soja caiu mais que o dos insumos, principalmente fertilizantes. Pelo ritmo atual, vamos ficar algumas safras ainda com esse ponto de equilíbrio elevado.
Colher 60 sacas por hectare exige um produtor profissional e eficiente. E mesmo assim, se o clima não ajudar, não chega lá.
Com a atividade cada vez mais exigente e a idade média dos produtores alta, muitos decidem arrendar a fazenda e se aposentar. O número de áreas arrendadas cresce, o custo do arrendamento pressiona ainda mais o ponto de equilíbrio.
O produtor não costuma ter dinheiro parado. Se a safra não cobre as contas, os compromissos com a revenda atrasam. Junta isso com um ano de clima ruim, como na safra 2023/24, e até revendas sólidas sofrem com atrasos de dois dígitos nos pagamentos acima de 90 dias.
E a revenda também não tem colchão de caixa. Margem típica de 3%, mais de 70% das vendas financiadas. Margem baixa com financiamento próprio é receita conhecida para problemas. Quando a inadimplência dispara, as revendas atrasam os pagamentos para a indústria.
As indústrias e sementeiras, que sempre tiveram bom histórico no Brasil, se veem de repente apertadas para justificar a piora nas matrizes. Muitas reduzem limites de crédito e forçam mais vendas à vista, mesmo correndo risco de perder mercado.
As seguradoras, vendo o aumento das indenizações, sobem os prêmios. O mercado de capitais, vendo inadimplência e seguros mais caros, aumenta os spreads. O custo de capital para o agro na Faria Lima dispara.
E assim, com o crédito caro, a margem das revendas piora mais, ampliando o risco estrutural da distribuição e da cadeia toda.
O pior ficou para trás?
Feio, né? Mas o agro já passou por crises piores. E os sinais de saída começam a aparecer. Talvez o pior já tenha ficado para trás.
O que vem daqui para frente é futurologia, posso estar enganado. Mas é o que tenho visto dar certo nas conversas com clientes.
Produtores ineficientes vão saindo naturalmente. Ninguém aguenta perder dinheiro por muito tempo. O mix ainda é diverso, mas a média tende a melhorar: mais arrendamentos, áreas maiores, mais eficiência.
O ciclo de profissionalização do agro já tem mais de uma década — agora só acelerou.
As boas revendas vão aprender a selecionar os produtores mais eficientes, tanto no campo quanto nas finanças. Escolher apenas os clientes eficientes vai ser fator de sobrevivência para elas. Os times de crédito vão crescer, ficar mais profissionais e se integrar mais ao comercial.
A saúde financeira do produtor passa a ser tão importante quanto a eficiência agronômica. Endividamento de longo prazo entra de vez no checklist.
Com carteiras mais qualificadas, a inadimplência volta a patamares pré-2022. Quem fizer a transição rápido pode até ganhar mercado, sendo mais agressivo no momento em que todos estão retraídos. Quem demorar, corre risco existencial.
Depois que organizarem a “cozinha” e dominarem o risco de crédito, as revendas vão precisar mostrar governança clara para reconquistar crédito da indústria e dos fundos.
Já tem revenda hoje apresentando relatórios de pontualidade, política de crédito e saúde da carteira para ampliar acesso a capital. Estas pioneiras estão conseguindo aumentar os limites ainda para esta safra. A tendência é só aumentar.
As indústrias, por sua vez, investem cada vez mais em entender o risco das revendas. Competidores mais ousados apoiam suas revendas parceiras com ferramentas e processos de governança em troca de transparência. Assim, aceleram a maturidade das revendas e melhoram o próprio crédito.
O volume total de crédito da indústria dificilmente volta ao volume de antes. O estrangeiro não deve acelerar o pé tão cedo.
Parte disso será substituída por novas soluções financeiras, que nascem dessa reorganização.
E essas soluções já terão um novo foco: o bom crédito está no produtor eficiente, que colhe mais do que gasta e mantém a vida financeira em ordem e na capacidade das revendas de escolhê-los e de serem escolhidas por eles.
Os sinais desse novo ciclo já estão aí. É só prestar atenção.
***
Luiz Tangari, colunista de The AgriBiz, é fundador da Tarken.