"Patrimônio imaterial"

O desabafo de Maurílio Biagi sobre o fim da Santa Elisa

"A Santa Elisa pode ter encerrado temporariamente suas atividades, mas o que ela construiu jamais será apagado", disse o empresário

Maurílio Biagi

A desativação na Santa Elisa pela Raízen, atual proprietária da histórica usina em Sertãozinho (SP), não parece ter abalado tanto o mercado — analistas até elogiaram a operação, que ajuda no processo de redução do endividamento da companhia controlada por Cosan e Shell.

Emocionalmente, no entanto, a movimentação gerou impactos. Em uma nota de posicionamento divulgada nesta terça-feira (15), o empresário Maurilio Biagi Filho, 83 anos, um veterano do setor sucroalcooleiro que dirigiu a usina entre 1971 e 2002, relatou tristeza com a notícia.

“Lá, vivi grandes momentos da minha vida: iniciei minha trajetória profissional, passei por todos os setores, da indústria à presidência, e pude liderar sua transformação em uma das maiores empresas do setor sucroenergético no mundo, tanto em inovação quanto em produção”, escreveu.

Filho é presidente do Grupo Maubisa, com atuação no agro (principalmente cana-de-açúcar), em atividades imobiliárias e em private equity. Entre outros cargos, foi presidente da Santa Elisa antes de a usina ser vendida para a Louis Dreyfus Company, em 2008.

Seu pai, Maurílio Biagi, é creditado por ter desempenhado um papel crucial na modernização do setor sucroalcooleiro do Brasil — entre outros feitos, foi um dos fundadores do Programa Nacional do Álcool (Proálcool).

No texto, em tom emotivo, Filho diz que a usina “faz parte da minha história pessoal e da história da região”. Ele descreve como a Santa Elisa foi adquirida por sua família em 1936 e se tornou “um verdadeiro símbolo do desenvolvimento de Sertãozinho”.

O empresário lembra ainda que, em 1998, a usina alcançou um marco histórico ao se tornar a de maior volume de moagem do mundo à época.

“Mais do que um empreendimento, a Usina Santa Elisa representa um patrimônio imaterial valioso — de memória, de pertencimento, de vínculos afetivos e sociais. A história que ela ajudou a escrever em Sertãozinho é indelével”, escreveu.

Confira, a seguir, a íntegra da carta de Maurilio Biagi Filho:

Recebi com tristeza a notícia da descontinuidade das operações da Usina Santa Elisa, em Sertãozinho, por tempo indeterminado.

Essa usina faz parte da minha história pessoal e da história da nossa região. Foi adquirida por minha família, em 1936, e desde então se tornou um verdadeiro símbolo do desenvolvimento industrial de Sertãozinho. Lá, vivi grandes momentos da minha vida: iniciei minha trajetória profissional atrás do balcão do armazém, passei por todos os setores, da indústria à presidência, e pude liderar sua transformação em uma das maiores empresas do setor sucroenergético no mundo, tanto em inovação quanto em produção.

Em 1998, alcançamos um marco histórico: a Santa Elisa se tornou a usina com maior volume de moagem do mundo à época, com mais de 7 milhões de toneladas. Antes disso, protagonizamos a primeira grande fusão do setor, com a Usina São Geraldo, sempre buscando caminhos de crescimento e sustentabilidade econômica e social.

Mas, acima de tudo, nenhuma conquista teria sido possível sem as pessoas extraordinárias que caminharam ao meu lado. A Santa Elisa foi uma escola de formação profissional e humana para milhares de colaboradores, muitos dos quais ajudaram a construir não só essa empresa, mas outras que nasceram a partir dela.

Há 25 anos deixei de participar da sua gestão e há 20 da sociedade, com o sentimento de missão cumprida. Vivi lá desde o meu nascimento, dediquei grande parte da minha vida a essa companhia e me orgulho do legado que deixamos. Torço para que os impactos dessa decisão sejam os menores possíveis, especialmente para os trabalhadores, fornecedores e para toda a comunidade local.

Mais do que um empreendimento, a Usina Santa Elisa representa um patrimônio imaterial valioso — de memória, de pertencimento, de vínculos afetivos e sociais. A história que ela ajudou a escrever em Sertãozinho é indelével.

Neste momento de pausa, escolho olhar para o futuro com esperança. Acredito na força de reinvenção da nossa região e confio que, com diálogo, sensibilidade e responsabilidade, será possível encontrar novos caminhos e equalizar essa situação.

Tenho a convicção que os atuais proprietários tomaram a decisão certa para o momento, com todo o cuidado e respeito pelas partes envolvidas. Aliás, aproveito para destacar que sempre agiram para comigo com muita fidalguia, com total consideração a mim e a todo esse legado.

Fiquei surpreso pelo tanto de mensagens e telefonemas carinhosos que recebi desde cedo de amigos de todas as fases da minha vida e da imprensa. Cada um com uma lembrança, com uma história para ser compartilhada e me pedindo para compartilhar a minha. Por esse motivo decidi me manifestar através deste texto.

A Santa Elisa pode ter encerrado temporariamente suas atividades, mas o que ela construiu jamais será apagado. E é com esse espírito que seguimos em frente, com coragem, resiliência e fé nos novos tempos”.