OPINIÃO

Acabou a crise na cadeia de grãos?

O agricultor brasileiro é arrojado, inovador e altamente tecnificado, mas precisa melhorar muito sua gestão financeira, escreve Manoel Queiroz

Grãos

Na safra 23/24 houve uma seca anormal no Centro-Oeste, especialmente no Mato Grosso. O número de recuperações judiciais de produtores rurais subiu de 289 em 2023 para 975 em 2024, segundo a Serasa. Não há dúvida de que o clima foi o principal gatilho para a pressão de liquidez à qual os agricultores foram submetidos, mas ele por si só não explica tudo.

Assim como em um acidente aéreo, vários são os fatores que geraram essa situação. Vamos tentar responder nesse artigo quais foram eles, qual a situação atual, quais as perspectivas e que lições podemos aprender com o passado recente.

Começamos pela própria pujança das safras 19/20, 20/21 e 21/22. Todo mundo estava ganhando muito dinheiro: produtores, revendas, cerealistas, e até mesmo instituições financeiras. Essas últimas entraram na onda oferecendo crédito em abundância.

As emissões de CRA pularam de 67 em 2020 para 176 em 2022, com volume financeiro indo de 17 para 57 bilhões de reais, respectivamente. Os Fiagros também entraram no mercado com força. Gestoras ofereciam dinheiro sem uma análise de crédito suficientemente profunda, até mesmo para a compra de imóveis rurais. Parecia que a bonança nunca ia acabar, mas como diz um empresário que conheço: “a gente faz besteira é quando as coisas estão boas”.

A safra 2022/23 começou boa. Em março de 2022, com a eclosão da guerra da Ucrânia, o preço dos fertilizantes praticamente triplicou. A cadeia de suprimento de defensivos ainda estava desorganizada devido à pandemia e, por causa disso, esses insumos também estavam muito caros.

No entanto, os preços dos grãos ainda estavam bastante elevados. A soja valia em torno de R$ 195,00 por saca ao fim de abril de 2022 e o milho valia R$ 85,00 por saca, em setembro de 2022. Um ano depois, na liquidação da safra, os preços eram respectivamente R$ 136 por sc e R$ 56 por saca. Foi, portanto, uma safra cara e com preços baixos. Vale destacar que a grande maioria dos produtores não “travou” o preço de sua produção no mercado futuro quando deveria.

O produtor rural, de forma geral, tem por hábito imobilizar quase todo o seu capital, seja investindo em maquinário e tecnologia, seja adquirindo bens para uso particular, principalmente comprando terra. Quando as coisas apertam, portanto, ele não tem caixa ou ativos financeiros para fazer frente aos compromissos, nem bens dos quais possa se desfazer rapidamente. Em defesa dessa prática arriscada, temos que considerar que existe um incentivo perverso. Pelo fato de a atividade econômica se dar na pessoa física, ele é tributado no imposto de renda em regime de caixa. Com isso, tende a gastar o máximo de recursos financeiros antes do final do ano.

A safra 23/24, que veio na sequência, foi, portanto, um golpe de misericórdia em um produtor que se empolgou em excesso nos anos bons, que já vinha de uma safra complicada, que não fez o hedge quando devia e que imobilizou todo o seu capital, consequentemente ficando sem caixa para pagar seus compromissos.

Chegamos na safra 24/25 sem problemas climáticos relevantes nas principais regiões produtoras, com boa produtividade e preços dentro da média histórica, porém ainda carregando a herança das safras anteriores.

Para 25/26 há boa perspectiva para os preços de milho, previsão de estabilidade para preços da soja e uma preocupação recente em relação à alta dos fertilizantes. Porém, pouca gente tem chamado atenção para o grande vilão dessas duas safras: a taxa de juros. A Selic está projetada pelo relatório Focus do BACEN para terminar em 15% em 2025 e 12,5% em 2026. Não é apenas muito alta, como permanecerá alta por um período muito prolongado. Essa combinação de produtores rurais ainda apertados com taxa de juros elevada não nos permite afirmar que a crise do setor terminou.

Por último, vale enumerar as lições que deveriam ser aprendidas com o histórico recente: (i) Gerencie seu passivo. Não se deixe iludir com oferta excessiva de crédito nos bons anos. Você é quem tem que comandar o leme, não o credor; (ii) Hedge serve para garantir margem, não para acertar o melhor preço. Se um determinado preço garante boa margem, é preciso se posicionar. Nunca de uma vez só, nem para todo o volume da safra projetada, mas tem que ser feito; (iii) É preciso ter uma liquidez robusta, nem que isso custe. Converse com um tributarista, é possível fazer um planejamento fiscal que diminua o inconveniente de manter dinheiro em caixa e aplicações financeiras; (iv) Antecipe o problema, projete seu fluxo de caixa futuro, incluindo o serviço da dívida e sente-se com os credores antes deles baterem a sua porta.

Não há dúvida que esse setor tem uma perspectiva enorme de crescimento e geração de riqueza no médio e longo prazo. O agricultor brasileiro é arrojado, inovador e altamente tecnificado, um verdadeiro craque na produção. No entanto, de forma geral, precisa melhorar muito sua gestão financeira. Quem não fizer isso, vai ficar pelo caminho.

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Manoel Queiroz é sócio da Mapa Capital.