Costuma-se dizer que o agro brasileiro já enfrentou todo tipo de desafio: seca, pragas, crises políticas. Mas há um fator que contamina toda a operação e raramente recebe atenção suficiente: o custo do dinheiro — e o risco percebido pelos bancos.
Quando as taxas básicas sobem, o crédito naturalmente encarece. Mas o produtor logo percebe que o problema vai muito além da Selic: os bancos ampliam seus spreads, aumentando a diferença entre o custo do dinheiro captado e o custo final que chega ao cliente. Esse movimento cria um ciclo difícil de quebrar:
- 1. Juros mais altos elevam o custo do crédito
- 2. O aumento dos custos pressiona o fluxo de caixa
- 3. A percepção de risco pelas instituições cresce
- 4. Os bancos tornam o crédito mais restrito e seletivo
- 5. O acesso ao financiamento diminui, mesmo para operações saudáveis
Esse ciclo se retroalimenta porque a elevação dos spreads também precifica o risco esperado de inadimplência num ambiente de margens comprimidas. E há um agravante muitas vezes ignorado: a queda do valor das garantias reais.
Em períodos prolongados de juros altos, ativos como fazendas e imóveis rurais tendem a sofrer ajustes de preço. O custo de financiar novas aquisições sobe, a liquidez diminui e os bancos aplicam descontos maiores na hora de avaliá-los como garantia.
Na prática, o valor das garantias que sustentavam linhas de crédito é rebaixado, limitando novas operações. Mesmo produtores adimplentes podem ser chamados a reforçar colaterais ou antecipar amortizações, drenando caixa.
Impactos práticos no dia a dia
Custo financeiro disparando: Operações de custeio e investimento passam facilmente de dois dígitos, mesmo com boas garantias. O produtor se vê diante da decisão ingrata de comprometer margens ou reduzir área plantada.
Seleção adversa: Quando o crédito fica caro e restrito, só quem aceita pagar caro ou está sob pressão toma financiamento. Com o tempo, isso piora a carteira média e alimenta mais spreads.
Desvalorização das garantias: A reavaliação periódica dos ativos restringe crédito e cria um círculo vicioso.
Queda nos investimentos produtivos: Máquinas, irrigação e conversão de áreas acabam adiados, comprometendo a produtividade futura.
Efeito dominó na cadeia: Cooperativas, tradings e fornecedores também enfrentam crédito mais caro, pressionando prazos e preços.
Como enfrentar esse ciclo vicioso?
Embora o produtor não possa alterar a taxa básica, algumas medidas ajudam a reduzir o custo percebido e a seletividade do crédito:
Fortalecer governança e processos financeiros
Ter controles internos sólidos, sistemas de acompanhamento de caixa e processos formais de aprovação de investimentos e endividamento reforça a credibilidade junto a bancos e investidores. A governança financeira organizada demonstra capacidade de gestão, reduz percepções de risco e aumenta a confiança de financiadores no longo prazo.
Fortalecer transparência financeira
Bancos reagem menos negativamente quando têm clareza sobre fluxo de caixa, histórico e avaliação atualizada das garantias.
Negociar prazos e composições
Em muitos casos, é possível alongar dívidas ou compor garantias complementares em vez de recorrer a reforços imediatos.
Diversificar fontes de financiamento
Cooperativas de crédito, plataformas de Fiagro e antecipação de recebíveis podem ter custo total menor e menor sensibilidade ao risco sistêmico.
Focar eficiência operacional
Priorizar ativos mais rentáveis e trazer tecnologia para produzir mais por hectare e reduzir custos ajuda a amortecer a pressão financeira.
Rever política de riscos
Em ambiente de juros altos e garantias depreciadas, erros em derivativos podem consumir liquidez rapidamente.
Direto da mesa de riscos
Os juros altos têm vida própria: elevam custos, derrubam garantias e alimentam novas restrições de crédito. Quem está no agro há tempo já viu esse ciclo se repetir, mas raramente com tanta intensidade.
O dinheiro está caro — e mais difícil de acessar. Para produtores e investidores, esta é a hora de manter a casa organizada e reforçar relacionamentos com financiadores. O crédito seguirá restrito por um tempo, mas quem demonstrar clareza, disciplina e resiliência atravessará o ciclo em melhores condições.
Vale lembrar que todo o sistema segue historicamente alavancado, ainda como resquício do período de juros muito baixos que vivemos há alguns anos. Isso torna o ajuste atual ainda mais delicado e exige atenção redobrada na gestão financeira.