
A participação decrescente do modal ferroviário na matriz nacional de transportes tem sido discutida em diversos fóruns, sendo o mais recente promovido por The AgriBiz. A ABIOVE chamou a atenção para o problema na exposição do presidente André Nassar na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, assim como outras instituições, a exemplo da CONAB e da ESALQ LOG.
Está claro que algo precisa ser discutido, ou melhor, rediscutido, para que tenhamos uma oferta de serviços com o nível e a qualidade necessários ao crescimento do Brasil, sem esbarrar no gargalo da infraestrutura ferroviária. Para isso, precisamos reconhecer que o modelo atual está longe de entregar os resultados projetados há algumas décadas.
Começando pelos dados estatísticos, nota-se uma baixíssima transparência em informações que deveriam ser públicas, traduzidas em indicadores simples e acessíveis. Um exemplo disso são os indicadores de perdas de mercadorias por trecho ferroviário em relação ao total transportado, ou mesmo os tempos de trânsito (transit time) entre origens e destinos.
Mais grave ainda: os dados anuais disponíveis na Declaração de Rede, que indicam a capacidade instalada e vinculada (utilizada), bem como a diferença entre elas denominada capacidade ociosa, não contam com acompanhamento mensal que permita aferir as informações declaradas pelas concessionárias.
Atualmente, a ANTT, órgão responsável pela regulação e fiscalização das ferrovias, não dispõe de meios próprios de acesso primário às informações operacionais, dependendo exclusivamente dos dados fornecidos pelas próprias concessionárias.
Em outras palavras, apenas a concessionária informa quanto utiliza da capacidade instalada, enquanto os usuários contratantes do serviço não têm acesso sequer a um dado básico para seus planejamentos. Para dimensionar a importância deste ponto, trata-se de um indicador-chave para ativar o gatilho de investimentos na expansão da malha.
Tudo isso estaria resolvido caso o Centro Nacional de Supervisão Operacional (CNSO) estivesse ativo, isto é, com os Centros de Controle Operacional (CCO) das concessionárias integrados ao sistema da ANTT, como já ocorre nas concessões rodoviárias. É importante frisar que não se trata de um controle pelo órgão federal, mas apenas do espelhamento dos dados reais, permitindo ao regulador monitorar o desempenho operacional de cada malha.
Abandono de malhas
Em relação à capacidade ferroviária, os dados da Declaração de Rede disponíveis desde 2013 revelam um quadro preocupante. Com exceção dos grandes corredores de exportação, observa-se que boa parte das malhas federais está subutilizada ou mesmo abandonada. Trechos que antes transportavam granéis sólidos, líquidos, combustíveis e cargas gerais estão inativos e exigem atenção especial para sua retomada.
Ocorre que essa retomada não é simples, nem barata. Uma coisa é manter a ferrovia em condições operacionais, outra é recuperar um ativo degradado pelas condições ambientais e depredação.
Algumas simulações demonstram que a viabilidade econômica é frequentemente posta em dúvida, especialmente diante do elevado custo de capital no Brasil. Mas qual é o custo para a sociedade em termos de perda de competitividade, PIB e empregos, sem falar nas despesas com importação de diesel e nas emissões de gases de efeito estufa?
Ainda sobre investimentos em capacidade, mesmo em malhas de alta produção, há trechos que poderiam propiciar maior oferta de transporte. A pergunta é: por que isso ainda não foi feito? A análise dos dados levanta outras dúvidas igualmente relevantes.
Em suma, é preciso aumentar a produtividade das ferrovias. O Brasil não pode esperar a construção de novas linhas férreas para ampliar a oferta de transporte. Além de ser demorado e dispendioso, há um enorme potencial nas malhas já construídas.
É importante lembrar que a operação é concedida, mas a via é pública, portanto, deve ser cuidada e gerar benefícios à sociedade. Se a concessionária não tem interesse em ampliar a oferta, a regulação deve facilitar a entrada de novos operadores por meio do direito de passagem, exercido pelos Agentes Transportadores Ferroviários (ATF), antigo Operador Ferroviário Independente (OFI).
Encerro com a provocação feita nos debates mencionados no início: como faremos para garantir maior oferta de transporte ferroviário de cargas, respeito aos direitos dos usuários, prestação de serviço adequado e transparência nas informações? O Brasil precisa de ferrovias para crescer, e estas, por sua vez, precisam aumentar sua produtividade para que possamos atingir as metas dos Planos Nacionais de Logística.
O cenário é preocupante e exige explicações e soluções urgentes. Só não se pode alegar que falta demanda, pois ela existe, e tem recorrido a modais menos eficientes para escoar seus produtos. Enquanto isso, veremos com tristeza as cargas sendo transferidas para caminhões em trechos absurdamente longos, comprometendo a competitividade, a sustentabilidade e a eficiência da economia brasileira.