
A Embrapa acaba de concluir dois trabalhos que prometem ser um marco para a agricultura tropical na mensuração de carbono fixado no solo e para contabilidade das emissões de gases CO2, CH4 e N2O.
Realizados em parceria com a Bayer ao longo dos últimos cinco anos, os projetos respondem a uma grande demanda do mercado: adaptar os modelos para estimação das emissões e remoções de gases de efeito estufa desenvolvidos para o clima temperado para a agricultura tropical, sob a chancela de uma das instituições de pesquisa agrícola mais respeitadas do mundo.
Bastante aguardada por produtores e compradores de commodities, como tradings e indústrias, a última versão da Footprint PRO Carbono — calculadora da pegada de carbono que abrange soja, milho e algodão por Embrapa e Bayer — foi finalizada em março.
O objetivo dela é contabilizar as emissões de gases de efeito estufa durante todo o ciclo de vida da commodity, incluindo a produção de insumos e o transporte. No caso dos grãos, a calculadora mede as emissões desde a extração dos recursos naturais, passando por todos os processos de transformação (produção de fertilizantes por exemplo), transporte e produção agrícola, até a entrega das commodities ao comprador.
“Um dos diferenciais da Footprint PRO Carbono é enxergar o modelo integrado de produção, que é uma característica da agricultura tropical”, afirma Marília Folegatti, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente.
Sistemas integrados, como safra de soja e safrinha de milho, precisam de uma metodologia diferenciada da empregada no hemisfério norte, onde só é possível cultivar uma safra por ano. Antes da calculadora, referências internacionais apontavam que a pegada de carbono na produção de soja brasileira era de aproximadamente 1.500 kg de CO₂ equivalente por tonelada produzida, enquanto a de milho era de 1.300 kg CO₂ eq/t.
“A calculadora, impulsionada pelo uso de dados primários de cada fazenda, mostrou que em média o impacto pode ser inferior à metade desses valores, de aproximadamente 600 quilos por tonelada nos dois casos. E ainda tem espaço para melhorar”, afirma Adriano Anselmi, líder técnico do negócio de carbono da Bayer.
Esses resultados demostram que o impacto ambiental da produção brasileira pode ser superestimado por dois motivos. Além de utilizarem dados generalistas, as calculadoras, normalmente importadas pelo Brasil, não estão adequadas às características do sistema de produção nacional, que é altamente intensificado. “Qual é a consequência disso? Que eles demonstrem uma pegada maior do que ela geralmente é”, diz o executivo.
Outro diferencial da ferramenta é uma análise sobre o nível de incertezas da estimativa de emissão. “É a única calculadora no mundo que informa qual é a minha pegada de carbono e qual é o nível de incerteza dela”, explica a pesquisadora da Embrapa. Além disso, a ferramenta deixa evidente onde estão os “pontos fracos”, ou seja, onde estão acontecendo as emissões, para que a trajetória possa ser corrigida.
A empresa de pesquisa estatal também seguiu mais de um protocolo ou norma internacional para criar a sua própria ferramenta de cálculo, com o objetivo de facilitar a sua aceitação. “A intenção é seguir um conjunto de normas reconhecidas pela comunidade internacional para que a calculadora tenha reconhecimento”, diz Folegatti.
Durante a fase de validação, a calculadora foi testada por um grupo de produtores parceiros da Bayer, disponibilizada de forma integrada à Conecta PRO Carbono, a plataforma de MRV (sigla para mensurar, reportar e verificar) da multinacional.
O objetivo final é que a calculadora seja o mais democrática possível. “Estamos estudando a estratégia de negócios e como oferecer esse serviço para a sociedade”, afirma a pesquisadora.
Medindo o carbono no solo
O trabalho da Embrapa não para por aí. A próxima fase do projeto prevê a integração da calculadora ao modelo preditivo de carbono no solo PROCS. Com esse modelo preditivo, também desenvolvido numa parceria da Bayer com a Embrapa, será capaz de expressar o ganho de carbono no solo em cada gleba.
Hoje, fazer esse tipo de análise tem custos altíssimos. Com a nova ferramenta, o objetivo é reduzir o número de análises no solo e, consequentemente, os custos para medir o estoque de carbono, mantendo o grau de precisão dos modelos convencionais — e até reduzindo as incertezas.
Na prática, a Embrapa desenvolveu modelos matemáticos para simular a dinâmica do aporte e da decomposição de carbono no solo, considerando, mais uma vez, as particularidades do solo, do clima e das práticas de manejo no Brasil.
Depois de uma primeira análise de amostras, que marcará o ponto de partida, a ideia é que o modelo seja capaz de prever como as práticas regenerativas estão aumentando o estoque de carbono no solo.
“Hoje, para eu reduzir o grau de incerteza, vou ter que aumentar o número de amostras e, consequentemente, o custo vai subir exponencialmente. O que estamos tentando fazer é mudar essa relação incerteza/custo”, explica o pesquisador Luís Gustavo Barioni, da Embrapa Agricultura Digital, o líder do projeto pelo lado da Embrapa.
A Embrapa usou a base de dados da Bayer, considerada a maior do mundo em agricultura tropical, para calibrar o modelo, que foi submetido para publicação. A próxima etapa será sua verificação por organismos de validação e verificação. A expectativa é que o modelo esteja disponível aos produtores, por meio da plataforma Conecta PRO Carbono, ainda este ano.
Credibilidade acima de tudo
Por meio dessas parcerias com a Embrapa — e com outras 18 instituições na América Latina, com foco em práticas regenerativas e na mensuração de seus resultados —, a Bayer buscou robustez científica para atravessar um dos principais desafios na jornada pela agricultura de baixo carbono.
Nos últimos cinco anos, o trabalho conjunto da Bayer com pesquisadores resultou na publicação de 26 artigos em revistas indexadas, o que dá ao programa um endosso da comunidade científica internacional. “Estar alicerçado na melhor ciência disponível sempre foi um critério inegociável para a Bayer. Hoje, credibilidade e transparência são fundamentais para qualquer iniciativa de sustentabilidade”, completa Adriano Anselmi.
Segundo o executivo, o apoio de uma empresa do porte da Bayer pode agilizar os resultados. “Se a gente deixasse acontecer no tempo da ciência, esse trabalho talvez pudesse acontecer daqui a cinco ou dez anos. Juntos, conseguimos trazer a demanda do mercado, conectar com o conhecimento que está nessas instituições e construir algo conjunto, sólido, transparente e que seja, de fato, aderente às soluções que a indústria vem buscando.”