AGRO 360º

Logística (ainda) é a maior dor de cabeça do agro — e pode piorar

Para acelerar os investimentos, é preciso melhorar o ambiente regulatório, a segurança jurídica e o acesso a financiamentos, dizem Hidrovias do Brasil, Rumo e Esalq-Log

Tatiana Freitas, do The AgriBiz; Décio Amaral, CEO da Hidrovias do Brazil, Altamir Perottoni Junior, VP da Rumo, e Thiago Péra, da Esalq-Log

Apesar do aumento na capacidade de transporte por ferrovias e hidrovias nos últimos anos, a logística continua sendo a maior dor de cabeça do agronegócio. O motivo: os avanços na infraestrutura não conseguem acompanhar o ritmo de crescimento da produção agrícola, mantendo gargalos e ineficiências na movimentação de commodities.

Os caminhões, por exemplo, continuam aumentando a sua participação na matriz de transporte de grãos, percorrendo longas distâncias e chegando a permanecer cerca de 40 horas parados no pico da colheita devido a problemas nas estradas ou filas na chegada aos portos ou terminais ferroviários e hidroviários.

Se os investimentos em infraestrutura não acelerarem, o cenário pode se agravar, aumentando os custos de transporte e reduzindo a competitividade das exportações brasileiras. Mas, para viabilizar novos aportes em um setor altamente intensivo em capital com retornos de longo prazo, é preciso melhorar o ambiente regulatório, a segurança jurídica e o acesso a financiamentos a taxas mais amigáveis.

Essa foi a tônica do debate “Vai de trem ou vai de barco?”, realizado na última terça-feira (10) durante a conferência Agro 360º, promovida pelo Brazil Journal em parceria com The AgriBiz, em São Paulo.

O painel reuniu Décio Amaral, CEO da Hidrovias do Brasil, Altamir Perottoni Junior, vice-presidente Comercial e de Desenvolvimento de Negócios da Rumo, e Thiago Guilherme Péra, coordenador da Esalq-Log.

Péra abriu o debate pontuando que, a despeito de investimentos recentes, como a consolidação do Arco Norte, a logística segue deficitária: “Principalmente em momentos de grande produção, quando os gargalos ficam evidentes”.

O déficit logístico começou a se agravar a partir de 2012, quando a safrinha de milho superou a safra de milho verão pela primeira vez. Até então, o País era superavitário em capacidade de armazenagem. Hoje, só consegue armazenar entre 60% e 70% do que produz.

A pressão sobre o transporte no auge da safra tem reflexos pesados, como o aumento dos fretes no transporte rodoviário, do qual os embarcadores ainda são extremamente dependentes. “Em 2010, transporte da soja era 45% via caminhão. Isso passou em 2023 para mais de 50%. A hidrovia ganhou espaço, mas o volume de produção e de exportação tem aumentado mais do que a infraestrutura.”

Segundo dados da Conab citados pelo CEO da Hidrovias do Brasil, mesmo sem um planejamento estruturado do poder público a Conab já registra 19% da produção transportada por leitos navegáveis no País.

“O potencial de crescimento hidroviário, conectado aos outros modais, pode proporcionar uma logística ainda muito mais eficiente”, afirmou Amaral.

A relevância do multimodal

O CEO da Hidrovias do Brasil reforçou a visão de um regime deficitário e mais estressado a cada ano, conforme aumenta a produtividade agrícola.

“O que tira meu sono não é a safrinha desse ano, é a safrinha daqui a dez anos. Não temos conseguido ampliar em um ritmo maior que o do crescimento do campo”, afirmou.

De trem, barco ou caminhão? A resposta de Amaral é que vamos precisar dos três. Segundo ele, o Brasil ainda trabalha mal a multimodalidade.

“O rodoviário devia fazer a coleta da produção, levar até o centro de transbordo mais próximo para um modal de grande volume, seja ele ferrovia ou hidrovia, e aí sim fazer o transporte de longo curso. Mas não é o que acontece hoje.”

Para ele, na falta de visão de longo prazo do poder público sobre armazenamento e logística, o agronegócio se vira com medidas emergenciais ineficientes, de alta emissão e custos elevados — por exemplo, nos gastos milionários com demurrage, a taxa cobrada pela sobrestada de contêineres no transporte marítimo.

“Não temos hidrovia, só leito navegável”

Amaral defendeu mais investimentos no transporte hidroviário, lembrando que “o Brasil não tem hidrovia, tem só leito navegável”.

“Quando você fala em hidrovia, é pegar o rio, dragar e criar um corredor. Esse é o Mississippi, que investe R$ 400 milhões por ano em dragagem. Aqui no Brasil, a gente tem leito navegável. Aqui, quando a gente fala de dragagem, é tirar o pequeno volume de assoreamento que ocorre durante o ano”, explicou.

É o que a Hidrovias do Brasil tem feito para evitar situações como a de 2024, quando parou de operar por alguns meses devido à seca, que derrubou o nível dos rios e os tornou inavegáveis. Operações desse tipo, no entanto, acabam lidando com a burocracia e lentidão no processo de licenciamento ambiental, segundo ele.

“No ano passado, pela crise que ocorreu, conseguimos que fosse decretado estado de emergência para permitir uma dragagem emergencial. Foram feitos os dois primeiros pontos. Quando o rio começou a subir um pouquinho, alguns interpretaram que a emergência havia acabado. Mas não, não acabou. Tem que continuar para não esperar uma nova emergência”, exemplificou o CEO.

Para ele, apesar da necessidade de melhorias em processos como o licenciamento, o governo ganhou consciência do potencial hidroviário e tem se movimentado para estimular investimentos: criou uma secretaria específica e está preparando um plano de outorgas visando o modelo de parcerias público-privadas.

“Sinto uma sensibilização importante do governo e acho que um programa de concessão com PPPs, associado a uma visão de dragagem anual para manutenção das hidrovias, pode realmente trazer um potencial de mais investimento e de mais capacidade de escoamento”, disse. “Agora, o sucesso da PPP depende da estabilidade regulatória, da segurança jurídica, e de um bom licenciamento. Só a PPP não basta”, acrescentou.

“Estamos tranquilos com escoamento da safra”

Na Rumo, os últimos anos foram de expansão — o que dá tranquilidade para a companhia transportar grandes volumes de milho depois de uma safra recorde de soja.

“Mesmo com safra recorde de milho e muita soja ainda para sair, estamos tranquilos em relação ao escoamento, graças ao footprint de terminais em diferentes regiões”, disse Altamir Perottoni Junior, vice-presidente Comercial e de Desenvolvimento de Negócios. Em alguns terminais, ressaltou o executivo, a Rumo está pronta para operar os dois produtos.

Perottoni elencou os investimentos realizados pela companhia nos últimos anos. Com com a concessão da Ferrovia Norte-Sul, a empresa levou trilhos para Goiás e Tocantins. Agora, está totalmente dedicada à Ferrovia Estadual do Mato Grosso, que ligará Rondonópolis, no sul do Estado, a Lucas do Rio Verde num trajeto de mais de 700 quilômetros.

O vice-presidente comercial da Rumo, Altamir Perottoni Junior, durante o AGRO360

Para dar suporte ao aumento de capacidade na originação, a malha paulista, que conecta o Centro-Oeste a Santos, também recebeu investimentos — assim como a Ferrovia Interna do Porto de Santos (FIPS), esta em parceria com a MRS e a VLI. “A capacidade era de 35 milhões de toneladas. Hoje, com 30% dos aportes realizados, elevamos a 55 milhões de toneladas. E, até 2030, vamos a 75 milhões de toneladas”, disse.

No ano passado, a Rumo também anunciou uma parceria com a trading americana CHS para construir um terminal no Porto de Santos, com capacidade de 9 milhões de toneladas de grãos e 3,5 milhões de toneladas de fertilizantes. É uma forma de ampliar a capacidade de transporte otimizando o capex.

“Está no nosso DNA construir essas parcerias, porque o custo de capital para uma empresa que investe o volume que a gente investe realmente é um desafio”, disse o executivo, lembrando que todos os modelos de terminais na Malha Central e na Ferrovia Norte-Sul possuem terminais 100% Rumo, um terminal que é 50%-50% e outro terminal é só de clientes.

Gargalo também nos financiamentos

Para viabilizar mais investimentos, Perottoni destacou a necessidade de destravar novas linhas de financiamento. Ele citou o exemplo do Fundo Clima, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Com quase R$ 12 bilhões disponíveis, ele foi criado para fomentar projetos que visam redução de emissões, mas, por apresentar várias exigências de conteúdo nacional, acaba sendo pouco acessado por operadores logísticos.

“Essa obrigação de conteúdo nacional impede as empresas de acessar esse recurso”, disse Perottoni, lembrando que operadores portuários também enfrentam a mesma dificuldade.

Sob o ponto de vista ambiental, os executivos da Rumo e da Hidrovias do Brasil destacaram a vantagem de seus modais em relação aos caminhões.

“A ferrovia é muito mais benéfica para o meio ambiente que a rodovia. O caminhão tem autonomia baixa, exige paradas frequentes. E construir rodovias cria desmatamento ao longo do percurso”, afirmou Amaral.

Perottoni citou um estudo do Observatório de Mobilidade Sustentável que aponta o setor de transporte como o grande emissor de gases de efeito estufa. Para diminuir as emissões do setor, no Brasil a participação da ferrovia na matriz de transportes do Brasil deveria passar de 16% para 33%, segundo o estudo.

“Isso representa R$ 270 bilhões em investimento. Para que o Brasil deslanche, vamos precisar de um alinhamento de políticas públicas e de financiamento”, disse Perottoni.