
A indústria de carne de frango vive um boom estranhamente longo, acumulando margens gordas (por vezes, recorde) por bem mais tempo do que muita gente experiente no mercado poderia imaginar. Há quase dois anos, há um surpreendente equilíbrio entre oferta e demanda. Nem mesmo o lucro colossal conseguiu estimular a produção.
A situação foge do habitual, especialmente para um mercado extremamente competitivo e ágil. Com um ciclo de produção mais curto em comparação com as demais proteínas, a produção de frango sempre respondeu rápido a períodos de alta no consumo. Geralmente, as margens elevadas estimulam o alojamento de mais frangos nas granjas, resultando num excesso de oferta que derruba os preços. Assim, em poucos meses, o ciclo de alta se transformava em ciclo de baixa.
Com a demanda crescente, os preços da carne firmes e custos de produção controlados, a expectativa era de que a produção de frango aumentasse no Brasil e em todo o mundo. Mas as maiores empresas do setor têm reafirmado que o mercado continuará equilibrado. É verdade que, depois de muitos tombos, a indústria se tornou mais disciplinada. Mas existe um gargalo relevante impedindo o aumento na oferta de frango: a genética avícola.
O problema começou há cerca de dois anos, depois de uma troca na linhagem de reprodutores para frangos de corte. Em busca de ganho rápido de peso, atendendo a uma demanda das indústrias, as empresas de genética focaram em melhorar a conversão alimentar durante o processo de melhoramento em detrimento da fertilidade, fontes do setor afirmaram ao The AgriBiz.
Resultado: as galinhas de ovos férteis estão botando menos ovos, que, por sua vez, estão eclodindo menos — ou seja, a taxa de conversão de ovos em pintinhos está menor.
“O frango que está no campo é uma máquina de produzir carne. Ele consegue chegar nos 40 dias com quase 3 quilos. Tem um ganho de peso extraordinário. Mas, ao mesmo tempo em que você colocou pressão nessas características, algumas outras tiveram menos valor na escolha da linhagem que veio ao mercado”, disse uma fonte graduada da indústria.
Uma galinha de ovos férteis bota, em sua vida útil, cerca de 200 ovos. Os animais que pertencem a essa nova linhagem perderam entre 10 e 18 ovos em comparação com a linhagem anterior, exemplificou a fonte. E a taxa de eclosão, que era de aproximadamente 85%, caiu para algo entre 75% e 76%, acrescentou.
“É muita coisa. É como se, do nada, a gente perdesse uma Aurora inteira de produção no Brasil só por causa da quantidade de ovos e da quantidade de pintos gerados”, disse a mesma fonte, numa referência à cooperativa que está entre os maiores produtores do País.
O presidente global da JBS, Gilberto Tomazoni, destacou as dificuldades na genética durante o call de resultados do quarto trimestre de 2024, ao comentar o ciclo prolongado do frango. “Há um nível de oferta (das carnes) bastante estabilizado. No frango, onde é mais fácil aumentar a produção, tem desafios da nova genética que tem reduzido o nível de fertilidade dos ovos”, afirmou em março, sem dar mais detalhes.
Soma-se a esse problema genético, que não é uma exclusividade do Brasil, emergências sanitárias como a da gripe aviária. Nos Estados Unidos, segundo maior produtor de aves do mundo, a influenza matou mais de 120 milhões de aves nos últimos anos, sem falar nos impactos na Europa e na Ásia, que não são tão claros. Tudo isso acaba restringindo a oferta de frango para abate no mundo todo.
Faltam matrizes
Num esforço para compensar os problemas de fertilidade, produtores têm procurado aumentar a quantidade de matrizes, mas esbarraram em uma limitação física. Não há matrizes disponíveis para compra este ano no Brasil. “Tem que programar e esperar uma resposta, normalmente parcial, para o ano que vem”, afirma uma outra fonte da indústria.
Além de aumentar a quantidade de galinhas alojadas, os produtores de frango têm adotado outras estratégias para driblar os problemas com fertilidade, como modificar o manejo e estender a vida útil das reprodutoras, o que pode ter impactos negativos em termos de produtividade. Outra esperança para fazer o mercado se ajustar são novos cruzamentos.
“Mas 2025 está dado, não tem o que fazer. Parte de 2026 também está dada. Então vamos passar dois anos ainda bem difíceis em termos de oferta”, resumiu uma fonte.
Globalmente, o mercado de genética avícola é dividido entre duas empresas: a Cobb Vantress, que pertence à gigante americana Tyson Foods, e a Aviagen, controlada pelo grupo alemão EW. A Cobb não retornou a pedidos de entrevista. Ivan Lauandos, presidente da Aviagen na América Latina, confirmou que existe uma escassez no mercado de genética avícola.
“Não temos conseguido atender todos os pedidos”, disse Lauandos ao The AgriBiz. Mas não é por falta de investimento. Em julho, a Aviagen vai inaugurar uma nova granja em Santo Antônio da Alegria, no interior de São Paulo, com capacidade para produzir 3,8 milhões de matrizes por ano.
“Isso representa 6% da capacidade de total do Brasil”, destacou. No ano passado, o Brasil alojou 60,5 milhões de matrizes, segundo a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).
A nova granja é parte dos R$ 738 milhões investidos pela empresa no Brasil nos últimos cinco anos. Com eles, a Aviagen aumentou a sua capacidade de produção para 25 milhões de matrizes por ano ante 6 milhões em 2012 — quando o seu frango ROSS 308 AP, considerado líder de mercado, foi lançado no Brasil. A capacidade de produção das avós, que dão origem às matrizes, também cresceu, de 1,9 milhão para 2,9 milhões de aves.
Segundo Lauandos, os aportes resultaram em um aumento na participação de mercado da Aviagen no País — que deve chegar a 65% em 2025. “Estamos fazendo de tudo para atender a essa demanda crescente no Brasil”, afirma.
Além do aumento da capacidade, o executivo diz que a Aviagen passou a atender importadores de matrizes na América Latina a partir de suas operações em outros países da região, como Argentina e Colômbia. Antes, as exportações eram feitas a partir do Brasil. “É uma forma de aumentar a disponibilidade de matrizes para o Brasil.”
Lauandos não relacionou o atual gargalo a eventuais falhas no melhoramento genético, lembrando que esse processo é contínuo e orientado pela indústria. Segundo o presidente da Aviagen, a taxa de eclosão média, no caso da genética fornecida pela companhia, atingiu 81% em 2024, índice considerado dentro da normalidade.
“De fato houve uma queda na produtividade das matrizes durante a pandemia, mas esse impacto acabou em 2024”, garantiu. O executivo também lembrou que ainda existe uma diferença de produtividade grande entre os granjeiros no Brasil devido ao nível de tecnologia empregada, tipo de manejo e qualidade da ração, entre outros fatores.
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