
A mineira Bevap Bioenergia caminha para atingir o limite de sua capacidade de moagem de cana-de-açúcar nesta safra 2025/26, coroando uma ampla reestruturação iniciada há três anos, quando a companhia deflagrou uma ofensiva para alongar o passivo e reduzir o endividamento.
Os esforços da gestão começam a ser reconhecidos: na última semana, a Bevap teve a quarta elevação consecutiva de rating pela S&P, chegando a BBB+. Agora, a meta é chegar ao grau de investimento, segundo Marcos Paulo Carvalho, CFO da usina.
“Nosso foco é aumentar cada vez mais a gama de oportunidades. Com grau de investimento, consigo tomar crédito com a IFC (International Finance Corporation), por exemplo, em dez anos, com juros de 6% ao ano, em dólar”, disse Carvalho ao The AgriBiz.
A virada começou em 2022, com a troca na gestão, que concentrou seus esforços em ganhos de produtividade, melhorias de liquidez e reperfilamento de dívidas. O custo do endividamento, por exemplo, caiu de CDI +6% ao ano, em 2022, para CDI +4% atualmente.
Do lado operacional, a Bevap moeu, na safra 2022/23, 2,4 milhões de toneladas. Esse número foi crescendo progressivamente até chegar a 3 milhões de toneladas na safra 2024/25, número que deve ser de 3,4 milhões de toneladas na safra 2025/26, segundo o CFO.
A origem da empresa (e dos problemas)
O gargalo em 2022 está relacionado, de certa forma, à própria origem da companhia. Fundada há 17 anos, a Bevap é uma usina jovem em um setor de empresas centenárias e famílias experientes no cultivo de cana.
A companhia surgiu pelas mãos de engenheiros da área de construção civil, que tiraram o projeto do papel em 2007 e estabeleceram a Bevap no noroeste de Minas Gerais. Os nomes dos fundadores não são públicos — e, mesmo hoje, entender a estrutura societária da empresa não é das tarefas mais simples.
O quadro de sócios da Bevap é formado por uma estrutura de fundos e empresas. Cerca de 34% da empresa está nas mãos de um fundo, o Florença FIP Multiestratégia. Outros 25% aparecem com uma empresa chamada Cartellone do Brasil (que hoje não está mais operacional, mas segue como sócia da Bevap), e outros 25% com uma empresa chamada Krasis. O restante é bem pulverizado.
Quando a empresa foi fundada, a gestão não era formada por profissionais experientes no setor sucroalcooleiro — o que exigiu, posteriormente, investimentos no canavial — um fator que se somou a gargalos em financiamentos contratados.
A Bevap tem, ao todo, 32 mil hectares irrigados de cana-de-açúcar, um dos maiores projetos desse tipo no País. A irrigação veio principalmente como uma forma de suprir a falta de chuvas no noroeste mineiro, que tem muita insolação, mas pouca chuva comparada a outras regiões mais tradicionais no cultivo de cana.
Hoje, esse custo compensa. “A Bevap fechou a safra com produtividade de 104 toneladas por hectare, enquanto o setor na média tem 80 a 85 toneladas por hectare. Além disso, pelo fato de o canavial ser irrigado, ele não dura seis cortes, mas 12”, explicou o CFO.
Investimento alto
Para colocar a Bevap de pé, incluindo a irrigação e a usina, foi necessário fazer um investimento de cerca de R$ 1 bilhão, com aproximadamente 40% desse total vindo de um empréstimo do BNDES. Devido a um erro de timing no projeto, a dívida começou a ser paga antes de a fábrica ficar pronta, prejudicando o fluxo de caixa.
Ao longo do tempo, essa dificuldade se somou a questões conjunturais, como o preço baixo do açúcar em 2017, o que levou a empresa a pensar em reestruturação.
Em 2021, a Bevap contratou a KPMG para reformular a governança e o conselho de administração. Vieram três conselheiros com experiência no setor: Juscelino Souza, ex-CEO da Coruripe, Pedro Mizutani, CFO para açúcar e álcool da Raízen, e Márcia Cubas, diretora de RH e compliance da São Martinho.
Em 2022, foi a vez do C-Level. Vieram, então, Newton Santana, atual CEO, com experiência em reestruturações, o próprio CFO (ex-Coruripe), e Ivan Melo Filho (ex-Raízen) para o cargo de CCO (Chief Commercial Officer).
Desde então, a Bevap fez investimentos na melhora do canavial e foi aprimorando a produtividade da fábrica. Do lado financeiro, a companhia conseguiu melhorar seu perfil de liquidez. Em 2022, o caixa médio era de R$ 30 milhões e, hoje, a empresa roda com R$ 180 milhões.
Dívida mais barata
A companhia também fez um intenso trabalho de repactuação de dívidas. Nos últimos três anos, foram R$ 650 milhões captados para trocar dívidas mais caras por mais baratas, além de alongar o prazo médio do endividamento de 1,1 ano para 2,1 anos.
A estratégia envolveu tanto bancos como o mercado de capitais. Nos últimos três anos, a Bevap se tornou uma emissora frequente de CRAs, que somam R$ 450 milhões em emissões. O quarto CRA, o mais recente, foi emitido pela Éxes Securitizadora, a um custo de CDI +3% ao ano e vencimento em cinco anos.
O foco da emissão é financiar as atividades de plantio e de manutenção do canavial da empresa, com a operação sendo garantida por recebíveis de venda de açúcar e etanol.
“É uma empresa que melhora de forma sucessiva há bastante tempo, com bastante tecnologia empregada. É um setor que também tem ido melhor ao longo dos últimos anos, fomentando o apetite do lado dos investidores”, diz Artur Carneiro, sócio-fundador da Éxes.
A Bevap tem contratos de fornecimento de etanol com empresas como a Raízen, Ale Combustíveis e Ipiranga. Na venda de açúcar, entre os clientes se destacam a Czarnikow, Coca-Cola e Nestlé. Hoje, o mix de produção está em 60% açúcar e 40% etanol.
Com todo esse trabalho, a alavancagem da empresa saiu de 1,6 vez em 2022 para 0,9 vez em 2024. No patamar atual da Selic, a empresa deve continuar concentrando esforços para melhorar o perfil da dívida.
“Vamos desalavancar mais ainda. Até que a gente tenha um ambiente macro que nos propicie fazer investimentos. Hoje, com um custo de 18% ao ano, considerando CDI+3%, não faz sentido. A Selic tem que cair pela metade”, frisou o CFO.